São Paulo, terça-feira, 12 de junho de 2007

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SONINHA

Para que serve a seleção?

Se até o torcedor, que pode curtir com os amigos, anda enjoado, dá para entender a falta de interesse do jogador

"ZÉ ROBERTO anunciou uma decisão que deve entristecer pelo menos duas torcidas: vai mesmo embora do Santos e também da seleção brasileira." Acabei de dizer isso na TV na sexta à noite e embatuquei: duas torcidas? Quem torce pela seleção? Muitos colegas dizem, há tempos, que o torcedor prefere mil vezes seu time à seleção. Eu relutava em admitir.
Talvez porque seja um exemplar exótico de torcedor(a) que escolheu um time depois de grande; não nasci com uma camisa de futebol pendurada na porta da maternidade. Hoje torço com paixão pelas cores do meu escolhido, mas durante muito tempo a única camisa minha era a da seleção. Mesmo com o trauma da minha geração (82), segui interessadíssima no Brasil. Esperava convocações com ansiedade; assistia aos jogos torcendo. Hoje em dia a gente assiste, mas não torce, já reparou?
A menos que do outro lado esteja, vá lá, uma Argentina. Mas às vezes o bode é tanto que é capaz de brasileiro torcer pela Argentina -quem podia imaginar um negócio desses 20 anos atrás? Não sei dizer quando foi que perdeu a graça de vez. Teria sido decisivo o pragmatismo irritante que nos deu o título em 94?
De lá para cá, houve momentos muito altos: a final da Copa das Confederações contra a Argentina foi o bicho, vencer a Alemanha por 2 a 0 em 2002 também não foi nada mal. E uma coleção imensa de encontros "café com leite". Que lembranças temos de Brasil x Catalunha, Brasil x Kuait ou Brasil x Malásia? Se o torcedor, que pode curtir o jogo no bar com os amigos, ou em casa comendo uma pizza, já não vê a mesma graça na seleção, como esperar entusiasmo por parte dos jogadores?
Antigamente, chegar à seleção significava ser reconhecido como um dos melhores do país e do seu tempo. Ter a oportunidade de jogar ao lado de outros grandes craques. Estar na melhor equipe possível e medir forças com os selecionados de outros países. Para o torcedor, era legal esperar pela possibilidade de ver aquele meia fantástico do outro time armando jogadas para o nosso atacante. Seleção era um time dos sonhos. (Alguns sonhos fugiam do roteiro, claro. Como disse o Tostão, a gente adora inventar o passado...)
Jogar na seleção também era a chance de obter reconhecimento internacional. Onde é que isso tudo acontece agora? Nos times da Europa, oras. Lá, os melhores se encontram -juntos em uma equipe caprichosamente constituída por destaques de vários países ou se enfrentando em torneios de prestígio, em estádios lotados. Ah, sim, e ganhando muito bem para isso. Seleção para quê? Viajar, não treinar, jogar fora de posição, em esquema indefinido... Com adversário que não representa um desafio, em jogo que não vale nada. Arranhar o prestígio, em vez de adquirir. Regredir no futebol, em vez de ascender.
Zé Roberto não quer mais a seleção porque estará velho em 2010. Outros bem mais novos vão embora sem se preocupar muito com a invisibilidade que pode afastá-los dela. Seleção, para muitos, não é mais objetivo. Não os culpo. (E o Blatter queria fazer a Copa de dois em dois anos. Em um mundo tão cheio de chavões, ele nunca ouviu dizer que menos é mais?)

soninha.folha@uol.com.br


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