São Paulo, Sábado, 12 de Junho de 1999
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A razão a serviço da emoção, e vice-versa

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

Para terminar, de minha parte, essa discussão sobre os campeonatos regionais, quero esclarecer bem minha posição sobre umas tantas coisas.
1) Não são apenas -nem principalmente- razões de ordem afetiva ou sentimental que me levam a defender a continuidade, se não dos estaduais em geral, pelo menos do Paulista e do Carioca, que conheço melhor.
Claro que essas razões também pesam. Ver o fim de um evento que nos trouxe ao longo dos anos tantas emoções e alegrias é como ver demolirem a casa onde passamos a infância, ou o cinema em que vimos os primeiros filmes.
Mas minha preocupação maior não é com o passado, e sim com o futuro.
Como notaram muito bem vários leitores que me escreveram, acabar com os estaduais -e, consequentemente, com os times "pequenos"- equivaleria a liquidar a mais rica fonte de jogadores com que o país tem contado. O clichê "celeiro de craques" não saiu do nada.
Seria tedioso relacionar todos os jogadores de seleção brasileira -a elite da elite do futebol mundial- revelados nos campeonatos estaduais. Só para citar alguns do Paulista: Sócrates, Oscar, Raí, Amoroso, Roberto Carlos, Evair, Luizão. Sem falar de técnicos, como Wanderley Luxemburgo e Nelsinho Batista.
2) Não concordo com a mania da elite brasileira de buscar modelos prontos externos para resolver magicamente os problemas nacionais. O Brasil não é a Itália nem a Espanha nem os Estados Unidos. Basta olhar no mapa ou consultar algumas estatísticas sobre PIB, renda per capita e coisas do tipo para perceber a diferença.
Aliás, alguém já parou para pensar na pobreza real do futebol italiano e espanhol -que têm de recorrer a uma maioria de atletas estrangeiros para formar campeonatos interessantes- em comparação com o brasileiro? Alguém já parou para pensar por que acontece isso?
A resposta terá a ver com o que está escrito acima, no item 1. Abrir mão de nosso patrimônio maior -o "celeiro de craques"- para supostamente atingir a modernidade e a riqueza do futebol europeu é colocar as coisas de cabeça para baixo. É como achar que o Brasil pode virar um país de Primeiro Mundo se eliminar (fisicamente) os pobres, os analfabetos, os sem-terra.
3) Discordo também da idéia do lucro como valor supremo da civilização, ao qual todos os outros devem ser submetidos.
É claro que o futebol é hoje um grande negócio no mundo todo, mas, pelo menos para mim, sua razão de ser não é o lucro, e sim o prazer que proporciona a seus aficionados.
Temo que, ao pensar o esporte exclusivamente (ou prioritariamente) como negócio lucrativo, estejamos pensando como a Prefeitura de São Paulo, para a qual a função principal do transporte coletivo não é servir à população, e sim dar lucro às empresas de ônibus.
Como o transporte, a saúde e a educação, o futebol é um bem social importante demais para ser abandonado ao sabor dos interesses de mercado.
Posso estar errado, mas a razão e a emoção (que devem andar sempre juntas) me mandaram dizer isso.

E-mail jgcouto@uol.com.br


José Geraldo Couto escreve aos sábados e às segundas

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