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São Paulo, sábado, 12 de julho de 2003

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EXCLUSIVO

CPI só saiu para esconder escândalos, diz Teixeira


Em entrevista à Folha, presidente reeleito da CBF atribui investigações do Congresso a "desvio de foco" do governo FHC e admite que só se manteve no poder graças à seleção


FERNANDO MELLO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

A réplica da Taça Fifa, que adorna o gabinete da presidência da CBF, num luxuoso condomínio no Rio, não é apenas o símbolo da supremacia do futebol brasileiro. Para Ricardo Teixeira, o homem que comanda desde 1989 o esporte mais popular do país, foi ela que viabilizou sua permanência no poder por mais quatro anos.
Em entrevista de mais de duas horas concedida à Folha um dia depois de ter sido eleito para seu quinto mandato à frente da CBF, o empresário de 56 anos que entrou no futebol pelas mãos do ex-sogro João Havelange admite que, se o Brasil não tivesse sido pentacampeão mundial, teria sido defenestrado do cargo após as investigações do Congresso Nacional.
Pela primeira vez, acusa o governo Fernando Henrique Cardoso de ter patrocinado as duas CPIs no futebol para esconder os escândalos da administração federal; conta que a proposta de inchaço da Copa foi "o bode na sala" para que a América do Sul recuperasse a meia vaga que perdera para a Oceania; surpreende ao dizer que é melhor para a seleção disputar as eliminatórias a ter a vaga automática na Copa-2006 e desdenha dos opositores, que alegam que o pleito de quarta, que o elegeu, é nulo.
E, fato inédito, minimiza a importância de uma de suas maiores metas: a conquista da medalha de ouro olímpica, único título que falta ao futebol nacional.

"A melhor coisa do mundo são as eliminatórias. Indica qual jogador não serve. Você sofre, joga na altura, no frio, no calor, vai apanhando"

"[Se o Brasil perdesse a Copa], não estaria aqui. Era o que todos queriam. Teve gente que apareceu com cara de velório após o penta"

 

Folha - O sr. foi reeleito com um placar dilatado, 46 votos a 1. Mas alguma liminar pode anular os efeitos da eleição. Teme ter que realizar outro pleito?
Ricardo Teixeira
- Não vai ter outra eleição. Essa foi legal, dentro do estatuto da CBF. Havia três liminares daqui [Rio] mandando realizar a assembléia. Não tenho nenhum receio de outra liminar. Houve um candidato de oposição [Carlos Alberto de Oliveira] que ficou o tempo todo em cima da urna, vendo os votos entrarem. Eu nem saí da minha cadeira. Outra coisa: como o sr. Itamar Vasconcellos Dias pode entrar com ação em Belo Horizonte se ele foi candidato a vice na chapa de oposição e legitimou a nossa eleição? Ele foi candidato e foi votado.

Folha - Esperava a vantagem?
Teixeira
- Não se ganha no dia da eleição. Ninguém em três Copas ganhou duas e foi vice em outra. Implantamos o Brasileiro com pontos corridos. Essa maioria esmagadora foi construída.

Folha - Decepcionou-se por não ter sido aclamado, como antes?
Teixeira
- Não. 46 a 1 é tão acachapante que não faz diferença.

Folha - Não acharia saudável a alternância no poder? Pensa em limitar o número de mandatos?
Teixeira
- Eu inverto. Acho que o presidente deveria ser obrigado pelo estatuto a tentar uma reeleição. Porque durante os dois primeiros anos você é um neófito.

Folha - E como vê a falta de renovação na oposição?
Teixeira
- Se não tivesse acontecido alguma coisa de positivo, certamente não seria reeleito. O Brasil é muito respeitado lá fora. No Comitê Executivo da Fifa, eu não sou pretensioso, mas sou um dos que têm mais força.

Folha - Mesmo assim o Brasil perdeu a vaga automática na Copa-2006, apesar de ser o atual campeão. Isso não foi uma derrota?
Teixeira
- Vou dizer uma coisa que nunca disse. A melhor coisa do mundo é fazer eliminatória.

Folha - Foi melhor perder a vaga?
Teixeira
- Acho que sim. Tecnicamente sim. O presidente da Federação Alemã me disse uma vez: "Você vai sentir a mesma dificuldade que a Alemanha sentiu de 90 para 94. Fomos campeões, só participamos de amistosos. Chegamos totalmente enganados em 94 e rodamos rápido". A mesma coisa aconteceu com a França, em 2002. A eliminatória forma um time. Vale para indicar qual jogador não serve para a seleção. Você sofre, joga na altura, no frio, no calor, diante de torcida adversária, vai apanhando. Só se recebe ensinamento no sofrimento.

Folha - A CBF foi criticada por não ter desistido da Copa das Confederações. A decisão foi correta?
Teixeira
- Acha que seria bom dizer não ao Joseph Blatter e a toda a estrutura da Fifa?

Folha - Isso politicamente. E do ponto de vista técnico?
Teixeira
- Mas o técnico às vezes só dá certo com o político.

Folha - Por exemplo?
Teixeira
- É importante ser forte nos bastidores em certas ocasiões.

Folha - Você diz que a CBF e a Sul-Americana são fortes na Fifa. Por que, então, não emplacaram o inchaço da Copa-06 para 36 times?
Teixeira
- A Copa com 36 era o bode na sala. O que queríamos era a devolução da meia vaga, que nos foi tirada e dada para a Oceania. A maneira encontrada foi propor o inchaço. É impossível fazer um campeonato com 36. Só tem uma solução para 32: 64. É mais fácil com 64 que com 36.

Folha - Vez ou outra amigos seus dizem que sua meta maior é ser presidente da Fifa. Confirma isso?
Teixeira
- Não.

Folha - Acha possível o Brasil receber a Copa de 2014 com o Ricardo Teixeira na presidência da Fifa?
Teixeira
- Isso não passa pela minha cabeça.

Folha - Mas pessoas próximas a você dizem que é um sonho seu estar na Fifa, seguir Havelange...
Teixeira
- Confesso que não, não estou fazendo proselitismo. Para fazer uma carreira internacional como o dr. Havelange, você abre mão de muita coisa. Ele quase não viu os netos dele crescerem.

Folha - Você também falava que esse seria seu último mandato na CBF e voltou atrás. Quando e por que mudou de idéia?
Teixeira
- Eu não sei te dizer o momento exato. O que eu sei te dizer é o seguinte: eu não queria. Não queria, não queria mesmo, mas houve manifestação muito grande de eleitores. O que me fez ficar foi a consolidação da vinda da Copa do Mundo para o Brasil.

Folha - De 2014?
Teixeira
- De 2014, que será decidida em 2008. Se eu não estivesse como presidente da CBF em 2006, dificilmente seria reeleito no Comitê Executivo da Fifa para 2010. E não teria voto. O Brasil não teria o voto do Brasil para a Copa.

Folha - O penta não teve influência em sua decisão?
Teixeira
- Não dá para ignorar que a Copa de 2002 foi um fator preponderante nisso.

Folha - Acha que estaria sentado nesta cadeira se o Brasil não tivesse sido pentacampeão?
Teixeira
- Eu teria tido problemas. Certamente não estaria aqui. Era exatamente o que todos queriam. Teve gente que apareceu com cara de velório após o penta.

Folha - Todos esperavam que você iria explodir com a conquista do penta. Mas preferiu comemorar sozinho. Por quê?
Teixeira
- Aquele título não era uma resposta a ninguém. Tomei uma cerveja com meu filho, estava com minha filha, minha mulher, alguns amigos da Nike, Depois, fui dormir com a taça do meu lado. Acha que precisava de mais alguma coisa?

Folha - Eleito pela cartolagem, o sr. foi "reprovado" por duas CPIs. Qual sua defesa para as acusações?
Teixeira
- A CPI não considerou nenhuma das respostas que enviamos. A explicação dos US$ 400 mil que disseram que sumiram na Copa Ouro não foi levada em conta. Mandamos o dinheiro para pagar bicho, hotel etc. O Américo Faria gastou US$ 60 mil e devolveu US$ 340 mil. Aí, dizem que sumiu porque no balanço não tem a entrada dos US$ 400 mil. Houve um gasto. Isso a CPI não viu... Outra coisa foi a questão dos juros [de empréstimos tomados no Delta Bank, alvo de uma das ações no Ministério Público]. Em 1998 houve a crise da Rússia. Também diziam que não gastamos nada com o futebol, só com a diretoria. É que, pela nossa contabilidade, o salário de Felipão, Américo Faria, Antônio Lopes, Murtosa, Rodrigo Paiva, entravam como gasto do RH. Isso não é despesa do futebol? Dá mais de R$ 1 milhão. Quem acompanhou as CPIs viu claramente os interesses por trás. Foram coisas armadas, movidas com a nítida intenção de me tirar da CBF. Um ministro [Carlos Melles] chegou a dizer que eu tinha carta de renúncia, mas não mostrou. É absurdo dizer uma mentira deste nível.

Folha - A CBF cogitou ignorar Brasília no vôo do penta alegando que o governo FHC patrocinou as CPIs que devassaram o futebol...
Teixeira
- O governo patrocinou para esconder outras coisas, outros escândalos. Estou afirmando isso categoricamente. Procure ver. Sempre que existe uma grande crise governamental, eles direcionam para outro lado. O futebol é muito popular e servia para isso.

Folha - O sr. está se referindo ao caso Eduardo Jorge, ex-secretário da Presidência?
Teixeira
- Isso é você quem está dizendo. Tire suas conclusões.

Folha - O sr. sempre traçou como meta a inédita medalha de ouro olímpica. E agora?
Teixeira
- Não é "a" meta. Acho que isso atrapalhou muito o time em campo. Temos que dar a gradação que é merecida. A gente exacerbou, principalmente em Atlanta-96. O ouro é meta, mas é uma coisa tranquila, não é o maior título da vida da CBF. É meta para a seleção sub-23. Prova é que não coloquei o técnico da seleção principal na Olimpíada.

Folha - O sr. é acusado de dirigir uma entidade rica com um futebol pobre. Dá para pensar em distribuir mais a renda que ela recebe?
Teixeira -
Não. Abrimos mão de taxas, dos direitos da TV, do dinheiro da venda de atletas. Olham a parte negativa da convocação. Conhece algum jogador que foi vendido para o exterior sem jogar pela seleção? Então, a CBF já ajuda os clubes. Estamos bancando parte da Série B.

Folha - Não está entre as obrigações da CBF bancar a Série B?
Teixeira
- Não. Cada clube tem que ser competente para conseguir se viabilizar. Não cobrando, a CBF já transfere o dinheiro.

Folha - A maior novidade da tua chapa foi o Fernando Sarney [filho do ex-presidente José Sarney] como um dos vices. Brasília tem sido muito importante na discussão do futebol . Que influência ele terá?
Teixeira
- O Fernando faz esse trabalho há tempos, como diretor da área governamental da CBF.

Folha - O que acha do Estatuto do Torcedor?
Teixeira
- Não sei se haverá recursos para modernizar os estádios. Também tenho medo do sorteio de juízes.

Folha - E em relação ao motivo da malfadada greve do futebol, de que o cartola pode ser responsabilizado independente de culpa?
Teixeira
- Isso está esclarecido. Não podem culpar o presidente da CBF por algo que ocorra no Amapá. É como se saísse uma lei que diga que é responsabilidade do presidente da República qualquer assalto que ocorra no Brasil.

Folha - E a Lei da Moralização? O Eurico Miranda (Vasco) disse em reunião na sua frente, e repetiu lá fora, que ele via a cara dele e a sua como alvos dessa lei. Concorda?
Teixeira
- Não acredito nisso.

Folha - Para finalizar: qual sua avaliação do novo Brasileiro?
Teixeira
- Até agora muito bom. Está me surpreendendo. O medo que eu tinha, de um time disparar, não deve acontecer.


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