São Paulo, segunda-feira, 12 de julho de 2004

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FUTEBOL

Parreira, o estrangeiro

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Por que temos tanta dificuldade em engolir Parreira, mesmo sendo ele um treinador campeão do mundo?
Alguns dirão que ele é retranqueiro; outros, que é teimoso; outros ainda, que é burocrático e previsível. Talvez tudo isso seja verdade, mas, ao observar a seleção brasileira na Copa América e nas eliminatórias do Mundial, arrisco o palpite de que o motivo mais recôndito de nossa resistência ao treinador pode ser outro.
Talvez Parreira nos incomode porque suas principais virtudes -a cautela, a frieza e a paciência- sejam estranhas ao espírito passional e imediatista que predomina entre os brasileiros.
Basta ver a quase indiferença com que o treinador reage a um gol brasileiro para sentir imediatamente saudade da vibração de Luiz Felipe Scolari.
Não estou comparando os dois treinadores em termos de competência, mas só de temperamento. Sentimo-nos, em geral, mais próximos de Felipão. Parreira, de certo modo, não parece brasileiro.
Talvez esteja aí a explicação para o bom rendimento da dupla Parreira-Zagallo. O primeiro é frio como um enxadrista, o outro, febril como um torcedor. As duas coisas são necessárias.
Dito isso, penso que Parreira ainda vai nos dar uma canseira antes de botar Alex e Diego para jogar juntos desde o início da partida e antes de escalar Vágner Love ao lado de Adriano ou de Luis Fabiano (assim como só chamou Romário para o último jogo das eliminatórias da Copa de 1994).
Se dependesse do gosto da maioria dos brasileiros, essa seria a escalação desde o princípio da Copa América. Mas somos imediatistas e não temos visão de conjunto.
Parreira está pensando em duas competições ao mesmo tempo: na Copa América e nas eliminatórias da Copa de 2006. Toda a sua alquimia consiste em fazer de dois times (o A e o B) uma única seleção que chegue muito forte ao Mundial da Alemanha.
Se o treinador vai conseguir, não sei. Mas uma coisa é certa: até lá, queiramos ou não, teremos que aprender com Parreira a virtude da paciência.

O clássico San-São de anteontem foi o que os comentaristas gostam de qualificar de "atípico". O jogo estava equilibrado até a discutível expulsão de Fabão.
Embora o Santos nitidamente tivesse mais time, o desfalcado São Paulo se segurava bem e ainda levava algum perigo nos contra-ataques. Qualquer resultado seria possível. Com um jogador a menos, ficou mais difícil para o tricolor compensar na base da força de vontade a superioridade técnica da equipe santista.
De qualquer maneira, o time de Vanderlei Luxemburgo mostrou mais uma vez que é candidato ao título, apesar de ter iniciado o torneio de modo um tanto trôpego.
Do lado são-paulino, a boa notícia é que o volante César Sampaio mostrou que tem tudo para desempenhar no meio-campo tricolor o papel de ponto de equilíbrio que Rincón não conseguiu cumprir no do Corinthians.

Cotovelada polêmica
A cotovelada de Pelé na Copa de 1970, tema da coluna de anteontem, ainda dá pano para manga. Aníbal Massaini, produtor e diretor de "Pelé Eterno", me ligou gentilmente para esclarecer que o golpe do Rei teria sido "preventivo", uma vez que o uruguaio Fontes "vinha para quebrá-lo". Outros leitores ponderaram que aquele Brasil x Uruguai tinha uma atmosfera de guerra e que isolar desse contexto a atitude de Pelé acaba por distorcer seu sentido. Acho que têm razão. Quanto às intenções de Fontes na disputa com Pelé, jamais saberemos de fato quais eram. De todo modo, meu intuito era menos o de condenar a cotovelada de Pelé do que o de discutir o sentido simbólico que ela assumiu. Tirar o pó de um gesto que o tempo tinha cristalizado em mito.

@: jgcouto@uol.com.br


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