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FUTEBOL
Parreira, o estrangeiro
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Por que temos tanta dificuldade em engolir Parreira,
mesmo sendo ele um treinador
campeão do mundo?
Alguns dirão que ele é retranqueiro; outros, que é teimoso; outros ainda, que é burocrático e
previsível. Talvez tudo isso seja
verdade, mas, ao observar a seleção brasileira na Copa América e
nas eliminatórias do Mundial,
arrisco o palpite de que o motivo
mais recôndito de nossa resistência ao treinador pode ser outro.
Talvez Parreira nos incomode
porque suas principais virtudes
-a cautela, a frieza e a paciência- sejam estranhas ao espírito
passional e imediatista que predomina entre os brasileiros.
Basta ver a quase indiferença
com que o treinador reage a um
gol brasileiro para sentir imediatamente saudade da vibração de
Luiz Felipe Scolari.
Não estou comparando os dois
treinadores em termos de competência, mas só de temperamento.
Sentimo-nos, em geral, mais próximos de Felipão. Parreira, de
certo modo, não parece brasileiro.
Talvez esteja aí a explicação para o bom rendimento da dupla
Parreira-Zagallo. O primeiro é
frio como um enxadrista, o outro,
febril como um torcedor. As duas
coisas são necessárias.
Dito isso, penso que Parreira
ainda vai nos dar uma canseira
antes de botar Alex e Diego para
jogar juntos desde o início da partida e antes de escalar Vágner Love ao lado de Adriano ou de Luis
Fabiano (assim como só chamou
Romário para o último jogo das
eliminatórias da Copa de 1994).
Se dependesse do gosto da maioria dos brasileiros, essa seria a escalação desde o princípio da Copa
América. Mas somos imediatistas
e não temos visão de conjunto.
Parreira está pensando em duas
competições ao mesmo tempo: na
Copa América e nas eliminatórias
da Copa de 2006. Toda a sua alquimia consiste em fazer de dois
times (o A e o B) uma única seleção que chegue muito forte ao
Mundial da Alemanha.
Se o treinador vai conseguir,
não sei. Mas uma coisa é certa: até
lá, queiramos ou não, teremos
que aprender com Parreira a virtude da paciência.
O clássico San-São de anteontem foi o que os comentaristas
gostam de qualificar de "atípico".
O jogo estava equilibrado até a
discutível expulsão de Fabão.
Embora o Santos nitidamente
tivesse mais time, o desfalcado
São Paulo se segurava bem e ainda levava algum perigo nos contra-ataques. Qualquer resultado
seria possível. Com um jogador a
menos, ficou mais difícil para o
tricolor compensar na base da
força de vontade a superioridade
técnica da equipe santista.
De qualquer maneira, o time de
Vanderlei Luxemburgo mostrou
mais uma vez que é candidato ao
título, apesar de ter iniciado o torneio de modo um tanto trôpego.
Do lado são-paulino, a boa notícia é que o volante César Sampaio mostrou que tem tudo para
desempenhar no meio-campo tricolor o papel de ponto de equilíbrio que Rincón não conseguiu
cumprir no do Corinthians.
Cotovelada polêmica
A cotovelada de Pelé na Copa
de 1970, tema da coluna de anteontem, ainda dá pano para
manga. Aníbal Massaini, produtor e diretor de "Pelé Eterno", me ligou gentilmente para
esclarecer que o golpe do Rei teria sido "preventivo", uma vez
que o uruguaio Fontes "vinha
para quebrá-lo". Outros leitores ponderaram que aquele
Brasil x Uruguai tinha uma atmosfera de guerra e que isolar
desse contexto a atitude de Pelé
acaba por distorcer seu sentido.
Acho que têm razão. Quanto às
intenções de Fontes na disputa
com Pelé, jamais saberemos de
fato quais eram. De todo modo,
meu intuito era menos o de
condenar a cotovelada de Pelé
do que o de discutir o sentido
simbólico que ela assumiu. Tirar o pó de um gesto que o tempo tinha cristalizado em mito.
@: jgcouto@uol.com.br
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