São Paulo, Quinta-feira, 12 de Agosto de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JUDÔ
Família da medalhista de ouro no Pan Vânia Ishii expõe abismo cultural entre Brasil e Japão no esporte
Euforia desconcerta clã do tatame

Cleo Velleda/Folha Imagem
A meio-médio Vânia Ishii, ouro no Pan-Americano de Winnipeg, derruba seu pai, Chiaki, em treino


FÁBIO VICTOR
da Reportagem Local

Judô, em japonês, significa "suave caminho".
Mas para a meio-médio Vânia Ishii, 25, única medalhista de ouro brasileira do esporte no Pan-Americano de Winnipeg, o caminho até o pódio não teve nada de suave -muito pelo contrário.
Vânia pertence à quarta geração de judocas do clã Ishii. Seu pai, o japonês naturalizado brasileiro Chiaki Ishii, 57, foi o primeiro atleta de judô a conquistar uma medalha para o Brasil em Olimpíadas (bronze, em Munique-72).
Suas duas irmãs -Luíza, 28, e Tânia, 30- são ex-lutadoras, a última foi bronze no Pan de Caracas-83 (meio-médio).
Educada sob uma doutrina segunda a qual a dor e a frieza são as principais credenciais de um campeão, Vânia está começando a abrasileirar o clã Ishii.
Ao berrar de alegria, pular e chorar ao ganhar o ouro no Canadá, a judoca intrigou seu pai.
Mesmo vivendo há 35 anos no Brasil, Chiaki Ishii não consegue entender essas manifestações.
Para ele, o sofrimento é mais construtivo do que a alegria e esta, quando alcançada, não deve transparecer.
"Quanto mais apanhar e sofrer, melhor. No Japão, bate-se e castiga-se, e os campeões são aqueles que sofreram mais. Ela (Vânia) está aí hoje porque aguentou", prega Chiaki, que começou a ensinar judô a Vânia quando ela tinha quatro anos.
"Ele me derrubava com muita força, doía muito. Eu chorava bastante, mas continuava o treino mesmo assim", recorda Vânia.
Ao receber, no meio da madrugada, um telefonema da filha, anunciando a conquista do ouro no Pan, Chiaki não se abalou: "Parabéns. Valeu a pena", afirmou, e voltou a dormir.
A comemoração de Vânia, ao contrário, foi uma das mais eufóricas entre todos os medalhistas brasileiros em Winnipeg. Chorando, ela desfiou uma lista de agradecimentos e dedicatórias, inclusive ao pai e a irmã Luíza, que se casara recentemente.
"Tenho que aceitar o jeito dela. Ela é totalmente brasileira", resigna-se Chiaki, que critica o modo brasileiro de encarar a vitória.
"No judô, como no sumô, não se pode demonstrar euforia. Eu aprendi apanhando, apanhando, apanhando. Aqui (no Brasil) é diferente: quanto mais elogiar, melhor. Tem que dizer que o lutador é um gênio, um herói do judô. Quem age assim não será campeão", continua Chiaki.
No casamento de sua filha Luíza, ele chocou-se mais uma vez.
"Ela fez um carnaval, tirou o véu, dançou, era a mais animada da cerimônia. No Japão isso não acontece. Mas aqui é o Brasil, não posso fazer nada."
No Japão, berço da doutrina dos Ishii, Vânia passou maus bocados. Quando morou dois anos no país, estudando judô, conquistou um torneio interempresas. Ao vencer a final, saiu pulando no tatame. "Meu técnico me repreendeu, e todos os meus companheiros de equipe me olharam feio, como se eu tivesse cometido um pecado", recorda Vânia.
Há quem discorde frontalmente dos métodos do clã Ishii.
Árbitro do esporte em sete Mundiais e quatro Olimpíadas, o professor de judô Shigueto Yamasaki diz que Chiaki está equivocado. "O sistema de treino mudou muito. Pode ser puxado, mas não precisa sofrer tanto. Esses métodos (dos Ishii) não se usam mais, são do Japão antigo", defende o ex-árbitro, pai do ex-ligeiro Shigueto Yamasaki Jr., medalha de ouro no Pan de Havana-91.
Além disso, afirma Yamasaki, até a cultura japonesa está se transformando.
"Pelo que vejo nas competições, os japoneses já comemoram e pulam no tatame, como qualquer outro povo."
Concorde ou não com eles, os princípios do clã Ishii têm seguidores garantidos.
Os dois primeiros integrantes da quinta geração da família, Sofia, 5, e Massato, 3, já dão os seus primeiros passos no tatame.
Eles são filhos de Tânia, irmã mais velha de Vânia, e do norte-americano Michael Swain, primeiro campeão mundial dos EUA no judô (em 87, na categoria leve) e bronze em Seul-88.
Após o casamento, Tânia adotou o sobrenome do marido, abandonando o Ishii.
A família Swain vive na Califórnia (EUA), onde Tânia treina a equipe de judô da Universidade de San José.


Texto Anterior: Leão fica, mas irrita-se com Santos
Próximo Texto: Pai largou o esporte para ser caubói
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.