São Paulo, sábado, 12 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MOTOR

Pacote suspeito

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE

O GP do Japão pouco interessa. A temporada vai acabar como começou, Ferrari à frente.
O que interessa é o pacote maluco lançado por Max Mosley e Bernie Ecclestone, tão maluco que os jornalistas (ingleses, claro) que receberam o catatau esperaram as equipes chegarem a Suzuka para confirmar o seu conteúdo. Não acreditaram no que leram.
Os barões, então, pediram os microfones para falar de viva voz o que já estava no papel. Nem a Cart em seu pior momento imaginou tanta bobagem. Mosley, depois dessa, deveria ser interditado. E Ecclestone sempre foi doido, prescinde de diagnóstico.
O pacote é histérico. Normalmente, mudanças drásticas de regulamento são precedidas de propostas duras, ameaçadoras -a FIA trabalha assim desde tempos remotos, é o jeito para lidar com chefes de equipe acomodados. O mecanismo volta agora.
Só que assusta a hipérbole encontrada para evidenciar a necessidade de mudanças. Uma coisa é tentar limitar o poderio das grandes escuderias, ou da Ferrari, que é o objetivo explícito do documento -começa assim: "Frequentemente, um time atinge dominância...". Outra é mudar o esporte. A FIA nunca foi tão longe. A crise é séria, mas será tanto?
Claro que não. Manipular crises, como se nota, está na moda. Raramente a F-1 convive com mais de um time na ponta. Nos últimos 15 anos, aliás, só testemunhou verdadeiras decisões por causa de pilotos excepcionais, Senna, Prost e Schumacher -talento, isso, sim, é que faz falta-, e não por causa de times nivelados.
Mas por que carregar tanto na tinta desta vez? Porque o dominante da vez é a antes intocável Ferrari. Desde o fim da era turbo, quase todas as mudanças de regulamento beneficiaram a Ferrari. Desde a assinatura do último Pacto de Concórdia, o time que recebe a maior fatia é a Ferrari -aproximadamente 15 vezes mais que a modesta Minardi.
Tudo isso foi feito para manter de pé o time mais tradicional da F-1, o que mais gastou, o que mais atraiu público, o que mais puxou audiência durante duas décadas de jejum. Em resumo, os poderosos da F-1 alimentaram a criatura e agora querem domá-la.
Não vai ser fácil, por isso apareceram com essas idéias esdrúxulas, rodízio de pilotos, lastro, quatro baterias de classificação etc, coisa de kart, no máximo de turismo, como bem descreveu Coulthard. Se alguma barbaridade dessas passar, aí, sim, será o fim.
Obviamente, a expectativa é que não passem. Só que os grandes, Ferrari à frente, terão que engolir mudanças que até então não interessavam muito. As principais são a sessão classificatória na sexta, o fim do tratamento vip dado às grandes pelas fornecedoras de pneus, menos dias de testes, um motor por GP já em 2003 e o que, creio, afeta mais a atual campeã: limitações na arquitetura e materiais utilizados no câmbio e severas restrições aerodinâmicas -dois pontos que diferenciam o F2002 da concorrência.
O resto é cascata, incluindo a padronização dos gerenciamentos eletrônicos, algo quase impossível de ser feito. Não tecnicamente, mas porque verdadeiramente equilibraria a disputa, coisa que a F-1 não quer e não precisa.
O que ela precisa e sempre precisou são dois ou três pilotos disputando o título e mais dois ou três abiscoitando vitórias. Essa é a fórmula. Não há como mudar.

Receita 1
De Irvine: "Basta distribuir o dinheiro igualmente para todos as escuderias. Por que a Ferrari precisa ganhar dez, 15 vezes mais que a Minardi?". Sim, dividir o bolo ajudaria bastante, mas não resolve o problema, pois não falta apenas dinheiro aos times pequenos, mas também seriedade. E, claro, uma fabricante de motores.

Receita 2
De Montoya: "Não precisa mudar nada. O problema é a Ferrari não deixar seus pilotos correrem um contra o outro". De fato, ajudaria bastante, mas, com Schumacher no time, não vai acontecer.

Receita 3
De Otmar Szafnauer, executivo da Honda: "Cortar custos é possível. Só que, se não for permitido fazer determinada coisa, você faz outra. Você usa outra parte da tecnologia". Está certo. A saída, então, é quebrar a outra perna do alemão?

E-mail mariante@uol.com.br



Texto Anterior: Paraná muda esquema
Próximo Texto: Futebol: Agora é o doping que assola o Palmeiras
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.