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JOSÉ ROBERTO TORERO
Entre a masturbação e a suruba
Ontem, quando chegava ao meu prédio, acabei flagrando meu porteiro praticando
um prazer solitário...
QUIROMANÍACO leitor, quiroprática leitora, aquele que
nunca teve prazeres solitários que levante a mão. Se ela não estiver ocupada, é claro. Sim, erga a
mão aquele que nunca lembrou de
uma piada e riu sozinho, ou então
aquele que jamais fugiu do trabalho
para ir ao cinema no meio da tarde,
sem ninguém por perto.
Eu, por exemplo (mau exemplo, é
verdade), quando trabalhava como
assistente da Secretaria de Redação
desta nobre Folha, 18 anos atrás,
um dia saí no meio da tarde e fui
ver um filme sozinho num cinema.
Foi uma tarde das mais agradáveis.
E por sorte eu era tão incompetente que nem notaram a ausência.
Mas voltemos ao tema. Ontem à
noite, quando chegava ao meu prédio, flagrei meu porteiro, possuidor da rara alcunha de Zé, praticando um prazer solitário. Ele estava num canto, na penumbra, segurando algo que eu não podia ver
direito. Seu rosto mostrava uma felicidade quase infantil, como se ele
estivesse fazendo algo proibido e
divertido ao mesmo tempo. Cheguei mais perto e vi que o motivo
de sua alegria estava em suas mãos.
Ele o manipulava com carinho. Era
um radinho de pilha.
Zé ouvia o jogo entre Lanús e Corinthians. Estava ausente do mundo e concentrado em seu aparelho.
Seus olhos estavam abertos, mas
não viam o que olhavam. E eis aí
um dos grandes prazeres solitários
da humanidade: escutar um jogo
de futebol no rádio.
Lembro até hoje de minha primeira vez. Foi no carro de meu pai.
Um Corcel. O aparelho devia ser
um Motoradio. O narrador certamente era o Fiori Gigliotti. Gostei
tanto de Fiori que daquele dia em
diante passei a começar a narração
de meus jogos de botão como ele:
"Abrem-se as cortinas, começa o
espetáculo!". E no finalzinho eu
mandava um "Crepúsculo de jogo,
torcida brasileira".
Depois, passei a prestar atenção
em José Silvério com suas paroxítonas alongadas ("Pra foooora!"),
uma narração cheia de ação e emoção. E por fim fui ouvir Osmar Santos, que trouxe uma inédita dose de
humor e criatividade para as narrações ("Ripa na chulipa", "Pimba na
gorduchinha", "Não cochila, não
cochila que o cachimbo cai!").
Com estes narradores, eu assistia
aos jogos pelos ouvidos. A cada
instante o gol poderia sair, todo
passe lateral era perigoso e qualquer chute não entrava no gol "por
pouco, muito pouco, muito pouco
mesmo".
Lembro do susto ao descobrir
que a transmissão começava uma
hora antes do jogo. Quantos comentários eu não tinha perdido!
Passei a ir mais cedo para o carro
de meu pai. Ele me olhava com certa desconfiança quando eu pedia a
chave do Corcel, talvez pensando
que eu fosse fazer algo que maculasse o estofamento de seu carro.
Quando comecei a ir aos estádios, tive certa inveja daqueles que
levavam radinho para o campo. Eu
não levava porque meus amigos
achavam aquilo meio ridículo, e na
adolescência a última coisa que se
quer é que achem você ridículo.
Mas eu ficava pensando em como
deveria ser divertido ver o jogo ao
vivo e ouvir os narradores ao mesmo tempo. Era como ter a realidade e o sonho juntos. Provavelmente o jogo seria bem mais emocionante assim. E, mesmo que batessem na bandeirinha de escanteio,
os chutes teriam raspado na trave.
Já os jogos transmitidos pela televisão ficam melhores se assistidos em grupo. É como se, mal comparando, o rádio fosse a masturbação, e a TV, a suruba. A primeira,
mais tímida e dependente da imaginação. A segunda, coletiva e explícita.
Eu, confesso, pratico as duas coisas, mas ainda prefiro a primeira. O
rádio, maldoso leitor, o rádio.
torero@uol.com.br
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