São Paulo, quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JUCA KFOURI

Lições de futebol


O que tem este esporte que é capaz de tirar gente séria do sério e transformar cavalheiros em cavalões?


QUANDO VEJO o professor Belluzzo se destemperar como se destemperou, só um pensamento me ocorre: eu faria igual.
Sim, porque partindo do pressuposto óbvio de que não sou melhor do que ninguém e o conhecendo há anos como o conheço, só posso achar que, se estivesse em seu lugar, agiria do mesmo modo. O que não o absolve, é óbvio.
E é claro que um dia sonhei em ser presidente do Corinthians, principalmente quando adolescente e no começo de minha vida adulta, ao amargar 22 anos de jejum e idealizar o que faria no lugar de todos aqueles incompetentes para tirar o Timão da fila.
Quantas vezes não cheguei em casa depois de derrotas e disse para o meu pai, de quem herdei o corintianismo, que tínhamos jogado muito melhor, que tínhamos sido roubados, que o goleiro do adversário tinha fechado o gol? Quantas vezes? Mais de 500 em mais de 20 anos.
Jamais me lembrava de erros a favor do Corinthians, até porque rezava a teoria da época que quem erra a favor do povo não erra, acerta.
Mas como éramos roubados!
Verdade que, por não ser de temperamento violento, jamais quis bater em alguém ou jamais briguei num estádio. Mas perdi as contas das vezes que saí indignado.
Comecei a aprender o que é futebol de verdade com dois mestres. Fiz com Sócrates o curso primário, quando me aproximei dele no fim dos anos 70 e acompanhava de perto em seu dia a dia alvinegro.
Com ele aprendi que muitas vezes o milagre do goleiro é a ansiedade do atacante que chuta em cima do rival.
Que time vencedor ganha também do erro da arbitragem e que pressão funciona muitas vezes menos que ter a bola sob domínio, para que o gol surja naturalmente.
Já no período da Democracia Corintiana, formei-me no ginásio com ele, ao vê-lo fazer a Fiel mudar de comportamento, esperar o time resolver as coisas sem pressa, sem cair na armadilha de tentar liquidar o adversário no começo dos jogos e correr o risco dos habituais contra-ataques fulminantes.
O colegial já fiz com Telê Santana mesmo, na Copa de 1982.
Eram outros tempos, eram possíveis longos papos com o técnico da seleção brasileira na concentração, e Telê misturava tática, técnica e fantasia como um mágico, um mestre, um maestro.
Sim, ele dizia que seu sonho era treinar o time como uma orquestra e no dia do jogo em vez de ficar no banco subir para ver da arquibancada se seus artistas estavam cumprindo a partitura como ensaiado.
A pós-graduação ainda foi com Telê, em 1985, quando fazíamos juntos os comentários dos jogos da seleção para o SBT. Fazíamos juntos é modo de dizer, porque eu sempre tratava de ouvi-lo primeiro para depois concordar. E aprendi muito. Aprendi a ponto de saber que Belluzzo perdeu inteiramente a razão, mas está coberto por ela.
O futebol é tão podre que Telê morreu envenenado por ele.
E daí dou graças por não ter sido e não querer mais ser presidente de coisa alguma, apenas estilingue, muito mais cômodo e civilizado do que ser vitrine. Dá para manter, ao menos, a racionalidade, o que, convenhamos, não é pouco.

blogdojuca@uol.com.br


Texto Anterior: Futebol - Rodrigo Bueno: O melhor para a Copa
Próximo Texto: São Paulo exalta seu equilíbrio
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.