São Paulo, domingo, 12 de dezembro de 2010

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Véu em xeque

Seleção afegã de futebol feminino treina em base militar da Otan , desafia padrões sociais e viaja para torneio internacional

Michael Kamber/‘The New York Times’
Atletas da seleção afegã treinam em Cabul

ROD NORDLAND
DO "NEW YORK TIMES", EM CABUL, AFEGANISTÃO

Na terça, a seleção afegã de futebol feminino treinava para disputar seu primeiro torneio internacional.
De repente, soldados armados invadiram o campo por um portão no canto do gramado e ordenaram -gentilmente- que as jogadoras desocupassem o terreno.
No ar, surgiu um rugido feroz, acompanhado do forte redemoinho gerado pelos helicópteros, lançando terra nos rostos das atletas.
Uma vez mais, a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) precisava de seu campo de pouso para helicópteros, e a seleção afegã precisou deixar o único local da cidade em que é seguro treinar futebol feminino.
"Odeio helicópteros, mas não poderíamos jogar em público em qualquer outro lugar. Seríamos agredidas", disse Khalida Popal, dirigente da federação de futebol feminino do Afeganistão e uma das zagueiras da equipe.
"Desejamos enviar uma mensagem ao mundo e demonstrar que mulheres podem jogar futebol, estudar e trabalhar", declarou ela.
Nenhuma dessas atividades vem se provando fácil para as afegãs, mas o esporte é especialmente difícil.
Completamente proibidos na era do Taleban, os esportes femininos retornaram de modo intermitente, prejudicados pela falta de dinheiro e pela insegurança. Mas, acima de tudo, pela falta de lugares onde jogar, em uma sociedade em que até exibições modestas do corpo são tratadas como crime social.
Embora o país conte com alguma equipe feminina em 22 esportes, a maioria está começando. Em Pequim-08, só uma afegã competiu, no atletismo. Em 2004, foram duas atletas, diz Shukaria Hikmat, diretora do Comitê Olímpico Feminino do Afeganistão.
No esporte masculino, o Afeganistão vem conquistando espaço, a despeito da guerra. Os jogadores de críquete são heróis nacionais, e a equipe de taekwondo é uma potência na Ásia.
Na quinta-feira, a seleção de futebol feminino partiu para Bangladesh para disputar sua primeira competição internacional oficial, um torneio da Federação de Futebol Feminino do Sul da Ásia.
"Jogar no exterior será vitória suficiente", disse o técnico Wahidullah Wahidi. As afegãs enfrentam desvantagens. Só podem usar o campo de futebol -em uma base da Otan em Cabul- três vezes por semana, e desde que não interfiram nas operações dos helicópteros.
A capitã é Roya Noori, 16, uma atacante baixinha e com um chute forte. Quatro das principais atletas vivem nos EUA. Uniformes e chuteiras são improvisados -os oficiais não incluem calções ou camisas de mangas curtas.
A maioria das jogadoras não usa véu -a vestimenta é obrigatória para as mulheres do país- porque isso seria pouco prático. "Pode ser perigoso", disse Popal. "Uma rival poderia usar o véu para nos agarrar e estrangular."
Popal, 23, estuda engenharia e é filha de uma família pashtun conservadora. Quando mostrou talento para o futebol, seu pai e irmão combateram a ideia de que ela procurasse um time.
"Venci pelo cansaço. Meu amor por futebol é forte, e eles por fim cederam", disse.
"Agora, têm orgulho de mim." Mas também se preocupam. Como é porta-voz do futebol feminino, Popal já recebeu ameaças de morte e foi alvo de insultos nas ruas.
Em outubro, a seleção afegã fez uma partida de exibição contra a equipe feminina da Força Internacional de Assistência de Segurança, comandada pela Otan. A capitã da Otan era Danielle Figueroa, sargento dos fuzileiros navais norte-americanos. Sem interrupções causadas por helicópteros da Otan, a seleção feminina afegã bateu as rivais por 1 a 0.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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