São Paulo, domingo, 13 de junho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ATENAS 2004

Casamento e chance de enriquecer fazem técnicos imigrantes mudarem planos e fixarem raízes no Brasil

Mulher e dinheiro seguram os forasteiros

DA REPORTAGEM LOCAL

O jeito engraçado de falar ajudou no primeiro contato. Maria de Fátima nem precisou fazer muito esforço para entender as palavras, mas se atrapalhou quando ouviu o nome. Miakotnykh Guennadi, então, entregou-lhe um cartão para facilitar a tarefa.
Ela leu, releu, depois olhou nos olhos dele e pediu ajuda. "Como se pronuncia isso?". O ex-esgrimista explicou minuciosamente. Com a questão resolvida, Maria aceitou o convite para um café.
Um ano após aquele inusitado encontro em uma loja de decoração, ocorrido em 2002, Guennadi e Maria de Fátima se casaram. De profissional contratado para um trabalho temporário, ele passou a engordar a estatística dos técnicos que decidem criar raízes no Brasil.
Guennadi nasceu em Moscou, na Rússia, onde adquiriu destreza para manusear a espada, o sabre e o florete, instrumentos da esgrima. Foi para Belarus depois da universidade e virou treinador.
Em 2001, aceitou uma convocação para vir ao Brasil e transmitir seus conhecimentos para atletas de um clube de São Paulo. "Não tive dificuldades com a língua. Na esgrima, você pode executar o movimento para explicar o que quer dizer. Quando percebi, já arranhava o português", relata.
Ele era casado na sua pátria de origem, mas escolheu trocar de família. "Foi tudo muito rápido com a Maria. Hoje não tenho planos de voltar para o meu país."
O caso de Francisco Ferrer Matos é ainda mais emblemático. O treinador comandou a seleção cubana de saltos ornamentais por 32 anos. Em 1996, recebeu uma proposta para um trabalho temporário em Brasília. Tinha 53 anos, mulher e dois filhos no país natal.
Ferrer vive hoje no Rio e aguarda o dia de ver os pupilos caírem na água em Atenas. No ano passado, sob sua batuta, Juliana Veloso fez a modalidade estrear no pódio em Jogos Pan-Americanos.
Detalhe: os dois filhos cubanos vieram viver com ele e com a mulher que conquistou por aqui.
Entre os que desistem da idéia de voltar para casa, Wei JeanRen é o que está mais adiantado. Ele tem até cidadania brasileira.
Treinador da equipe feminina de tênis de mesa que vai à Grécia, JeanRen nasceu na China e chegou ao país de forma inusitada.
No meio de uma aula no Japão, foi interpelado por um dirigente que dizia ter amigos em uma região da América do Sul interessados na contratação de um técnico.
JeanRen achou a proposta interessante, agarrou a mulher e desembarcou no Brasil em 1989. "Fui importante para o tênis de mesa se desenvolver aqui."
Sob seu comando, foram conquistadas 11 medalhas em Jogos Pan-Americanos. "Fiquei famoso", diz ele, exibindo uma foto na qual posa ao lado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Em 1992, sua mulher deu à luz a Suzane, nome escolhido, afirma JeanRen, "em homenagem a Suzano, cidade onde eu morava na época". O nascimento fortaleceu seu projeto de nunca mais deixar o país. Ele não revela seu salário, mas fala que ganha "mais do que receberia na China".
Para muitos, sobra tempo para desenvolver atividades fora da seleção brasileira. Alkas Lakerbai, por exemplo, aduba o orçamento da casa com aulas que ministra em uma academia de esgrima.
Natural de Minski, na Belarus, ele propõe um desafio à Folha para provar que a família se adaptou ao Brasil. "Vou colocar a minha filha no telefone. Duvido que você perceba algum sotaque", diz.
Karina, 15, não comete um só deslize no português. De volta à linha, Lakerbai sentencia: "Vamos ficar aqui". (GUILHERME ROSEGUINI)


Texto Anterior: Pelo ouro, Brasil enrola a língua
Próximo Texto: Sotaque chega até aos cartolas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.