São Paulo, domingo, 13 de julho de 2008

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Canoa faz atleta ir de favela a Pequim

Nivalter Santos, 20, é o primeiro brasileiro da história a se classificar para prova olímpica de canoagem de velocidade

Com apenas quatro anos de experiência, atleta que aprendeu a remar aos 17 anos é o único brasileiro da modalidade na Olimpíada


LUÍS FERRARI
ENVIADO ESPECIAL A SÃO VICENTE

Tinha tudo para dar errado. Mas Nivalter Santos remou. E conseguiu, saindo da favela México 70, em São Vicente, chegar à Olimpíada de Pequim.
A história do primeiro brasileiro a se classificar para uma prova olímpica de canoagem de velocidade é a saga de um atleta que, além dos rivais do continente, superou dificuldade financeira para atingir sua meta.
O início, há quatro anos, foi quase uma brincadeira. Meses depois de trocar a cidade sergipana de Capela e conseguir se estabelecer no litoral paulista como empregada doméstica, a mãe de Nivalter mandou buscá-lo no Nordeste. Foram morar em um prédio da CDHU, que é vizinho do clube onde ele treina até hoje.
A matrícula na escolinha de canoagem custava R$ 20. Um amigo pagou metade, e Nivalter freqüentou o curso por 30 dias. No mês seguinte, sem dinheiro para mensalidade, largou.
Depois, o técnico Pedro Sena encontrou Nivalter numa feira em São Vicente e o incentivou a retomar as remadas. "Ele é muito talentoso para o esporte. Evoluiu muito rápido, considerando que não tem nem um ciclo olímpico completo como canoísta", diz o treinador.
"Acho que é dedicação. Sempre me dediquei nos treinos, desde o início, aos 17 anos. E sei que vou conseguir melhorar mais ainda", avalia Nivalter, minimizando seus feitos.
Há duas semanas, ele voltou a fazer história. Foi o primeiro brasileiro a disputar uma final de etapa da Copa do Mundo. "Achamos que ele ficaria em último, mas encarou os rivais de igual para igual, e chegou em quinto", lembra Sena.
O resultado motivou o técnico a sonhar com uma final olímpica. O tempo obtido por Nivalter na Copa da Polônia (1min50s725) é somente um segundo mais alto que a marca do oitavo colocado no C1 500 m nos Jogos de Atenas-2004.
"Quero disputar medalha em Pequim. Se eu entrar pensando em chegar à final, talvez não passe da semi", explica o canoísta, de 1,73 m e 78 kg.
Ele acredita que a experiência em Pequim será o primeiro passo de uma caminhada olímpica mais longa, pois vislumbra também os Jogos Olímpicos de Londres-2012 e os de 2016, ainda sem local designado.
"Depois, posso virar treinador e até fundar um projeto social, se possível em Sergipe, onde há grande necessidade. Comecei velho e hoje sou um dos melhores do Brasil. Sei que em Sergipe tem gente forte. Mas isso é para o futuro, porque, no momento, mal consigo me ajudar. Logo, não tenho como ajudar os outros", diz Nivalter, expondo planos de longo prazo.
Antes disso, sua meta é concluir os estudos. Ele está no primeiro ano do ensino médio. Mas já tem ajuda de custo de uma universidade de Santos, cujos controladores sinalizaram com bolsa de estudos assim que finalizar o supletivo.
"Espero começar na faculdade no ano que vem. E conseguir depois trabalhar em algo relacionado à defesa de direitos humanos", conta o canoísta, que é visto como exemplo pelas cerca de 400 crianças beneficiadas pelo projeto social Navega São Paulo, que tem um núcleo na favela México 70.
"Acho legal o contato que tenho com as crianças. Sempre procuro incentivá-las e passo para elas novas técnicas que aprendo quando vou competir no exterior. Assim, espero que a canoagem se desenvolva mais e mais no Brasil, que só quer saber de futebol", conclui o atleta, cuja estréia na raia olímpica está marcada para 19 de agosto, data das disputas preliminares do C1 500 m.


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