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JUCA KFOURI
Decisão com gosto de redenção
Na Libertadores, não faltou luta nem faltou técnica. Não faltaram gols e belas jogadas. Faltou apenas ser civilizado
O PRIMEIRO jogo da decisão da
Taça Libertadores deveria
ter passado ao vivo para o
mundo inteiro.
Seria uma boa maneira de redimir
o abalado prestígio do futebol brasileiro depois do fiasco na Copa do
Mundo da Alemanha.
Melhor ainda se os jogadores da
seleção espalhados pelo mundo pudessem vê-lo.
Eles veriam que há uma porção de
coisas que fazem de um jogo de futebol um espetáculo sem igual.
É possível, por exemplo, segurar a
atenção de milhões de pessoas com
uma partida em que se destaquem,
essencialmente, a abnegação e o espírito de luta.
Foi o que se viu no primeiro tempo no Morumbi, quando o São Paulo
ficou logo reduzido a dez jogadores e
precisou se desdobrar diante de um
Inter que, mesmo quando havia
igualdade numérica, jogou com cativante personalidade e sem a ansiedade que o atrapalhou quando enfrentou o Libertad, do Paraguai, nas
semifinais.
Depois, no segundo tempo, dez
contra dez, começou outro jogo.
Com mais espaço, os dois times
não abriram mão de disputar cada
palmo do gramado, mas, aí, houve
lugar, também, para que cada lado
exibisse belas jogadas e criasse inúmeras situações de gol, o que havia
faltado na primeira metade.
E ninguém consegue ficar indiferente diante de um jogo como o da
quarta-feira passada.
Entre outras razões, também porque o jogo teve pelo menos um aspecto curioso.
Por mais que ninguém aponte
uma restrição sequer à vitória gaúcha, maiúscula, firme, categórica, o
fato foi que Clemer trabalhou muito
mais (e muito bem) que Rogério Ceni. E normalmente essa simples
constatação levaria a se pensar que o
São Paulo mereceria melhor sorte.
Mas não.
Não só a constatação passou despercebida, como, ao contrário, se alguém viu injustiça no placar, a viu
por considerar a diferença mínima
como madrasta para o Inter.
Sim, foi o gol de Edcarlos que permitiu ao São Paulo ainda sonhar
com o tetracampeonato, por mais
árdua que a missão pareça no estádio adversário.
Com 2 a 0 beiraria o impossível.
E com 3 a 0, que só não saiu
porque o quicar da bola levou Rafael
Sobis a chutar de canela com o gol
escancarado, seria mesmo impraticável.
Nada está perdido, mas algo já está
ganho, e não é o que, compreensivelmente, o torcedor colorado já se
apressa em comemorar.
O torcedor brasileiro recuperou
alguma fé na capacidade do nosso
futebol, capaz de ser intenso, capaz
de ser inteligente, capaz de ser emocionante e cativante.
Pena que mais uma vez tenhamos
visto o quanto falta para sermos
convenientemente civilizados.
A pedrada no ônibus colorado é
dessas coisas insuportáveis, e a acomodação da torcida gaúcha embaixo
da paulista revelou uma falta de
atenção (ou terá sido proposital?)
dos anfitriões não menos revoltante, alvo que os visitantes foram de
toda sorte de detritos.
Imagina-se que, agora, o revide virá em Porto Alegre, muito embora a
direção do Inter já tenha manifestado a intenção de não dar o troco na
mesma moeda.
O que seria um formidável tapa
com luvas de pelica, sem abdicar das
bombachas.
Porque, se a valentia não se confunde com depredações e falta de
consideração, a covardia se revela
nas pedradas e no desrespeito ao sagrado direito do adversário torcer
em paz.
Enfim, se ninguém tem a pretensão de convencer tricolores e colorados que o mais importante eles já fizeram, resta aos que não são nem
uma coisa nem outra agradecer pelo
resgate da auto-estima futeboleira.
blogdojuca@uol.com.br
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