São Paulo, sexta-feira, 14 de janeiro de 2011 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
XICO SÁ Desábito de vencer
AMIGO TORCEDOR, amigo secador, hoje só importa uma coisa: a volta do time de João Cabral de Melo Neto à primeira divisão do Pernambucano, o América FC, time no qual o poeta jogou com a mesma fineza da sua antilírica crônica. Um center-half preciso, antibarroco, firme, sem adornos banais, que dedicou os seguintes versos ao seu clube recifense: "O desábito de vencer/ não cria o calo da vitória;/ não dá à vitória o fio cego/ nem lhe cansa as molas nervosas". Quem o viu jogar não tem dúvida. Sua poesia nasceu na geometria do campo. A obra imita o seu futebol, esporte que trocou pelas touradas de Espanha ao chegar a Sevilha. Em entrevista ao repórter Fabio Victor, nesta Folha, no final dos anos 90, o homem das antiodes disse que o exílio voluntário o livrou do nosso miserável sofrimento ludopédico. Diante da arte de toureiros como Manolo Gonzáles e Pepe Luís, o poeta deixou de lado as dores de torcedor do glorioso onze-esmeraldino recifense -repare como não há nada mais anticabralino do que a linguagem futebolística, igual a esta que, amante confesso do adjetivo, usei agora mesmo. Se no time da Estrada do Arraial o poeta tinha o descostume de vencer, o tal desábito do poema, no Santa Cruz encontrou melhor sorte. Emprestado à equipe coral, foi campeão juvenil em 1935. "Foi muito estranho aquele triunfo", contou o pernambucano, no embalo de cachaças, cafés e chistes, a este repórter-cronista, em uma conversa para o "Jornal da Tarde" ainda nos madrugadores anos 1980. "Não conseguia botar nos olhos a expressão da vitória." Ontem o América cabralino jogaria com o Sport, na abertura do certame estadual que põe em jogo o luxuoso hexa do Náutico. O rubro-negro da Ilha de Lost é penta. E nada mais vale este ano no futebol brasileiro do que esse desafio à beira do Capibaribe, rio cosmopolita que se une logo ali com o Beberibe e, juntos, formam o que se convencionou chamar, nos livros de geografia, de Oceano Atlântico. América x Sport de Ademir de Menezes, a quem o antipoeta dedicou uma obra-prima: "Você, como outros recifenses,/ nascido onde mangues e o frevo,/ soube mais que nenhum passar/ de um para o outro, sem tropeço". Ao da Guia, do Palmeiras, o gênio nordestino dedicou coisas como esta: "Ademir impõe com seu jogo/ o ritmo do chumbo (e o peso),/ da lesma, da câmara lenta,/ do homem dentro do pesadelo". xico.folha@uol.com.br @xicosa Texto Anterior: Bragantino promete shows sertanejos Próximo Texto: Ronaldinho deve ganhar R$ 100 mi Índice | Comunicar Erros |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |