São Paulo, domingo, 14 de março de 2004

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FUTEBOL

Complicar é mais fácil

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Durante as minhas vidas (atividades), percebi que os grandes talentos são os que conhecem profundamente o básico, enxergam o óbvio e fazem muito bem as coisas simples e essenciais. Além da técnica de cada profissão, eles possuem conhecimentos mais amplos, de outras áreas, e uma maior capacidade de observar, sintetizar, decidir e criar, no momento certo. A maior parte dessas qualidades não se aprende nas escolas.
Quando era professor de medicina, havia os alunos que só se interessavam pelas exceções e pelo que não era importante e os que aprendiam bem todos os detalhes básicos -estes últimos iriam se tornar excelentes profissionais.
Mesmo os gênios, que fogem à rotina e ao raciocínio lógico, são os que tornam simples as coisas complexas. Não se pode banalizar também a palavra e chamar todos os craques de gênio. Esses são raríssimos.
Na adolescência, assisti a uma partida do Santos. Pelé e Coutinho trocavam passes até sem um olhar para o outro. Após uma tabela, Pelé jogou a bola entre as pernas de um zagueiro, encobriu o goleiro e fez o gol.
Escutou-se um "ooohh" de espanto na arquibancada. Diante dos movimentos do zagueiro e do posicionamento do goleiro, Pelé fez com muita técnica, simplesmente, o que se deveria fazer e poucos fazem. Depois que fez, parecia fácil. Nisso estava a sua genialidade.
Os grandes treinadores são também os que fazem as coisas simples e essenciais. Alguns seguem também a intuição e inovam e arriscam, no momento certo -estes são os mais criativos e os melhores.
Há muitos treinadores confusos ou inexperientes, que gostam de complicar. É mais fácil.
Na derrota do Cruzeiro para o Santos Laguna, no México, o inexperiente técnico Paulo César Gusmão, que era auxiliar do Luxemburgo, em vez de fazer somente o básico, para ganhar confiança, quis inventar e fez tudo que o Luxemburgo não faria.
No primeiro tempo, o Cruzeiro jogava mal, mas a equipe estava bem posicionada e o jogo, empatado. No segundo, Paulo César trocou um atacante (Jussiê) por um volante (Martinez), colocou o Alex muito na frente, mudou as posições do armador Wendell e do lateral Leandro e, para completar a lambança, pôs o zagueiro Bruno Quadros, que há muito tempo não jogava no meio-campo, no lugar do Augusto Recife.
Não foram as substituições que derrotaram o Cruzeiro, mas, se não fosse o goleiro Gomes, o time levaria uma goleada.
Ao contrário do Paulo César, o santista Leão e o são-paulino Cuca não complicaram nas difíceis vitórias sobre os times do Equador. No segundo tempo, as partidas estavam empatadas, e os dois técnicos fizeram as substituições lógicas e corretas. Não colocaram jogadores fora de posição.
Mas não foram também as trocas de jogadores que decidiram essas duas partidas, e sim os belos gols do Luis Fabiano e do Robinho, que aprendeu a cabecear.

Três timaços
Entre os oito classificados na Copa dos Campeões da Europa estão os três melhores times: Real Madrid, Milan e Arsenal. Não era o mais esperado, mas não houve surpresas nas eliminações da Juventus e do Manchester United, que vivem maus momentos.
Se jogarem todos os titulares, Real Madrid, Arsenal e Milan estão mais ou menos no mesmo nível. O Real tem mais craques do meio-campo para a frente, porém possui um sistema defensivo frágil e não há razoáveis reservas para o Ronaldo e o Roberto Carlos. Isso é incompreensível, já que o clube gastou uma fortuna em contratações. O Milan é o mais equilibrado dos três. Tem um ótimo ataque e uma defesa melhor que as do Real e do Arsenal. O time inglês tem um excepcional conjunto e dois craques na frente (Henry e Bergkamp), além do excelente armador ofensivo Pires.
Os três times jogam com quatro defensores. Arsenal e Real Madrid atuam com dois volantes e um armador de cada lado. O Milan, em vez de quatro, tem três no meio-campo e mais o Kaká livre e próximo dos dois atacantes.
A maior parte dos grandes craques mundiais joga nessas três equipes. Por isso são as melhores, e não pelos esquemas táticos.
Faltam na Copa dos Campeões deste ano poucos grandes craques, como Totti, da Roma, e Ronaldinho, do Barcelona. Se Real Madrid, Arsenal ou Milan não conquistarem o título, será uma surpresa.

E-mail: tostao.folha@uol.com.br



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