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FUTEBOL
Para bater o pé e subir
SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA
Perder aquele pênalti talvez
seja o melhor que podia
acontecer a Ronaldo a essa altura. Tivesse sido convertido (por
que se diz "converter um pênalti?"), não serviria como redenção
-um gol no Valencia daria ânimo a seus defensores, mas não diminuiria o ímpeto de seus críticos.
Porque podia ser o gol da vitória,
feito por um jogador vindo do
banco, a mostrar para a torcida:
"Ruim comigo, pior sem mim";
um gol para ser dedicado a Raúl,
como observou maliciosamente
um jornal espanhol. Mas criar
uma boa jogada e fazer um mísero gol seriam o mínimo que se espera do astro, ex-melhor do mundo, milionário, titular absoluto
da melhor seleção do planeta.
O pênalti perdido passa a representar ou confirmar um conceito
muito aceito no futebol: o da fase
ruim. Porque "quando a fase é
ruim", nada dá certo. A bola bate
na trave e sai, o zagueiro salva em
cima da linha, o juiz anula gol legítimo. Tudo acontece, inclusive o
craque perder um pênalti (muito
mal batido, é evidente; não foi
uma questão de azar). Mesmo
um jogador "velho e gordo" é capaz de fazer melhor do que isso...
Foi tão patético e infeliz, que até
os gozadores mais ferozes mostram compaixão. O julgamento
deixa um pouco de ser na linha
do "já era" e se passa a admitir
que, ante tanta desgraça, esse pode ser "apenas" um péssimo momento, mas não o fim; talvez a última curva em baixa antes de
derradeira recuperação e despedida. O proverbial fundo do poço,
ao qual Ronaldo aludiu, onde se
pode bater o pé e, enfim, subir.
Não é só porque Ronaldo já protagonizou recuperações espetaculares que devemos confiar na sua
volta. Não há nenhuma garantia
de que ele seja capaz de uma virada incrível outra vez. Mas eu confio porque... Ora, porque é possível. Só por isso. Ronaldo tem 29
anos -dá tempo!- e a capacidade comprovada de suportar cobranças e sobreviver ao descrédito. Tem experiência e talento
(ainda que agora esteja meio
oculto). E tem o respeito temeroso
dos adversários -que, a menos
que sejam muito insolentes (alguns jogadores o são, e às vezes é
providencial), ficam intimidados
com a responsabilidade de marcar um Ronaldo vestido com a 9
da seleção brasileira.
Com a má fase na Espanha, esse
pode ser um trunfo perdido. Ronaldo pode ser menos respeitável.
Ou pode demonstrar, nas primeiras partidas pela própria seleção,
que não será na Copa sua redenção, mesmo que esse não seja o
fim da sua carreira. O importante, portanto, é que Parreira tenha
muita firmeza e discernimento
para saber a medida em que pretende contar com Ronaldo. Milagres acontecem, mas não é bom
fiarmo-nos neles... Sensatamente,
sem medo de desrespeitar um
passado glorioso ou afrontar um
ídolo internacional, pode sacá-lo
de um jogo. Quem sabe a história
não teria sido muito melhor (para ele, inclusive) se Zagallo tivesse
resistido à sua vontade de entrar
em campo naquela final de 98?
Que o escaldado Ronaldo saiba lidar bem com o fato de não ser
mais intocável.
Exceção não vale
Não adianta alguém dizer "tenho amigos negros" para provar que não é racista. Racismo é
uma forma gritante de pré-conceito, de avaliação negativa a
priori: se é negro, não presta,
nem preciso conhecer. É o desprezo indiscriminado, generalizado, a repulsa estúpida aos
que não se parecem com você
(ou até aos que se parecem;
negros às vezes incorporam a
má-vontade dos brancos).
Um amigo negro pode ser apenas uma exceção em um
universo construído de preconceito, e não o fim da disposição
de prejulgar todos os demais.
Antônio Carlos pode ser amigo
do Cesar Sampaio e racista...
Seu gesto horrível pode ser útil
para que se pense no racismo
ainda não admitido por muitos
racistas.
E-mail
soninha.folha@uol.com.br
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