São Paulo, quarta-feira, 14 de abril de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SABATINA FOLHA

"Faz 24 anos que estou condenado"

Em sabatina da Folha, Zico faz paralelo entre perda do pênalti contra a França na Copa de 86 e a derrota na final de 50 e fala sobre Romário, Ronaldo e Ronaldinho

Jorge Araújo/Folha Imagem
Marcos Augusto Gonçalves, Barbara Gancia, Zico, Xico Sá e José Henrique Mariante, ontem, participam da Sabatina Folha

DA REPORTAGEM LOCAL

Uma conversa direta, franca. Opiniões sem meios-termos. Às claras, mesmo no breu.
Um problema no fornecimento de energia elétrica no bairro de Higienópolis, no fim da manhã de ontem, fez com que parte da Sabatina Folha com Zico acontecesse na escuridão. Dificuldade contornada sem rodeios pelo ex-jogador.
Aos 57, o ex-meia-atacante, ídolo do Flamengo e da seleção brasileira, criticou a letargia de Ronaldinho, atacou o continuísmo nas entidades esportivas, falou sobre a "pane" de Ronaldo na final da Copa-98, alertou para as drogas no esporte.
E fez uma analogia entre as críticas ao pênalti que perdeu contra a França, em 1986, e a "crucificação" de Barbosa, goleiro da derrota em 1950.
Leia os principais trechos da sabatina com Zico, que teve perguntas do público, de José Henrique Mariante, editor de Esporte, de Marcos Augusto Gonçalves, editor de Opinião, e dos colunistas da Folha Xico Sá e Barbara Gancia.

 

PÊNALTI PERDIDO
Quando você tem a oportunidade de colocar seu time na frente e não acontece, fica marcado. Entrei, tive a chance [contra a França, nas quartas de final da Copa-86] e não fiz. No Brasil, quando se perde, sempre se pega alguém para Cristo. Na época, os jogadores de 1950 deram entrevistas dizendo que finalmente iriam parar de falar deles, que a partir daquela hora falariam de mim.
Eu fiquei imaginando se será possível que um esportista fique marcado assim... Imagina o peso que aqueles caras estavam carregando. Eles foram crucificados. O Barbosa dizia que a pena máxima no Brasil era de 30 anos, e que ele estava condenado há quase 50. Agora, faz 24 anos que estou condenado.

ROMÁRIO EM 98
Doze anos depois, o Romário reconheceu que não fui eu que o cortei [em entrevista ao "Globo", disse que isentava Zico de culpa]. A gente tem atitudes ao longo da nossa vida, segura certas petecas porque tem um cargo [coordenador técnico da seleção em 1998]... Mas nem sempre é você que toma a decisão. No caso, o corte foi médico, mas ninguém quis assumir, colocaram na minha conta.

RONALDO EM 98
O Edmundo tinha saído correndo, gritando que o Ronaldo estava morrendo... Quando cheguei ao quarto, o Ronaldo estava sentado na cama, e o doutor Joaquim da Matta disse que ele tinha sofrido uma convulsão e que precisava descansar. Veio a hora do lanche, e o Ronaldo parou na porta do refeitório. Fez como um aquecimento. Disse que estava com o corpo todo dolorido, que parecia que tinha levado uma surra.
Depois do lanche, o doutor Lídio [Toledo, principal médico da delegação] disse que ele não tinha condição. Vetou. Daí o Zagallo escalou o Edmundo, fez a preleção com Edmundo. Fomos para o estádio... Lá, me chamaram para outra reunião, no vestiário. Num canto, estava o Ronaldo de calção, de meia, dizendo que tinha feito exame, que ia jogar. Zagallo perguntou se estava bem mesmo. Ele disse que sim. E foi para o jogo.
Os que sabiam do problema estavam apavorados. Isso foi fundamental para a derrota. O Leonardo perguntava toda hora se o Ronaldo iria morrer...
Se alguém poderia vetar, era o médico. Mas ele não falou nada. Então o Zagallo tomou a decisão que qualquer um tomaria.

GOVERNO COLLOR
Fui lá [secretário dos Desportos da Presidência da República] para fazer um trabalho para o esporte. Reconheço que o Collor perdeu a chance de se tornar um presidente importante. Tinha boas ideias, mas a forma como ele fez... Nenhum brasileiro gostou. Ele entendia de futebol, discutiu com a gente o projeto [da Lei Zico], mas depois viu que aquilo batia de frente com alguns setores que o apoiaram. E então ele engavetou. Preparei minha carta de demissão. Mas, antes de eu sair, ele quis encaminhar para o Congresso. Quando foi aprovado, a coisa caminhou bem.

RONALDINHO
Não quero ver o Ronaldinho limitado como hoje, se contentando em jogar numa determinada faixa de campo, em dar o drible e jogar a bola para a frente. Ele se conformou nos últimos dois anos em jogar assim.
Fato é que ele não atravessa uma boa fase, assim como Kaká, Robinho, Luis Fabiano, Julio Baptista, Felipe Mello...

DROGAS
Quando estou no comando de um time, não quero saber se o jogador bebe... Só que, no treino, vou exigir respeito, dedicação. Mas agora é pior, porque o problema é droga. E a facilidade que eles têm para comprar... Um jogador do Botafogo [Jobson] acabou de ser suspenso por cocaína. Por que jogador morre agora a torto e a direito? Isso é resultado de alguma coisa que está sendo ingerida pelo organismo, que não aguenta.

GESTÃO DO ESPORTE
Não é possível que só haja uma pessoa no Brasil para tocar cada entidade. É inadmissível que Ricardo Teixeira fique 20 anos na entidade, que o Nuzman, o Coaracy, o Gesta, o Koff... Fica muito chato. As pessoas se desestimulam porque sabem que existe um feudo, um controle... Mas é bom que você coloque as caras, que entre numa eleição para perder, para mostrar que há uma opção. A forma das eleições nas entidades no Brasil é um problema.

FUTURO
Não sei se vou continuar como técnico. Quando você vira avô, algumas coisas acontecem. Quando meus filhos eram crianças, deixei muito de vê-los em festinhas da escola, essas coisas... E agora isso começa a acontecer com os netos. Estou com dois, o terceiro vem agora. Gostei muito de ser treinador, apaixonei-me pela profissão, mas a gente tem que refletir para saber se continua ou não.


Texto Anterior: Ferrari resgata motor do primeiro GP de 2010
Próximo Texto: Frases
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.