São Paulo, terça-feira, 14 de maio de 2002

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Barrichello aceitou receber ordens

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Na discussão do caso gerado pela falta de ética esportiva da Ferrari, na Áustria, ao determinar que Rubens Barrichello abrisse caminho para a vitória de Michael Schumacher, há um elemento jurídico a considerar: o contrato do brasileiro. Renovado de véspera, pelos dois anos em que a Ferrari espera superar os cinco títulos de Juan Manuel Fangio, creditados às imbatíveis Mercedes de seu tempo. Contrato que Barrichello deve ter firmado sob orientação de seus advogados.
Decorre do artigo 1.176 do Código Civil Italiano que quem assume uma obrigação deve pôr, no cumprimento dela, os mesmos cuidados que um bom pai de família adota para tratar dos assuntos familiares. Na segunda parte, porém, está a chave da questão: "No cumprimento das obrigações inerentes ao exercício de uma atividade profissional, a diligência deve ser avaliada segundo a natureza da atividade a ser exercida". Se o "circo" da F-1 fosse propriamente um esporte, Barrichello teria vencido. Não é. O esporte vem muito depois de interesses econômicos, dos milhões de dólares pagos aos pilotos, gastos em publicidade, transmissões de TV, divulgação das marcas, dos motores, dos equipamentos.
O brasileiro não recebe polpudos salários para ganhar provas. Sua tarefa é ajudar a Ferrari (e a Fiat, que a controla) a alcançar o objetivo legítimo de bater o recorde de Mundiais, com o alemão.
Barrichello esclareceu em entrevista: o contrato profissional o obriga a fazer o que a equipe mandar. No exercício de um direito seu, aceitou esse papel secundário, embora gostássemos de ver nele o novo Senna. Duas lembranças são oportunas: o artigo 1.092 do Código Civil Brasileiro, se fosse aplicável, levaria à mesma solução, ao dizer que, "nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro". A realidade é antiesportiva, mas legal. Para Barrichello ir ao caixa receber, deverá respeitar as ordens. Assim foi e assim será, enquanto a Ferrari não realizar seu sonho. Até isso ocorrer, devemos parar de chamar a F-1 de circo. Afinal, é preciso respeitar os circos.


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