São Paulo, sexta-feira, 14 de maio de 2010

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XICO SÁ

Prefiro não


Você é capaz de apontar, se o técnico Dunga fosse personagem da literatura universal, quem seria ele?


AMIGO TORCEDOR , amigo secador, foi o corvo Edgar, um leitor sagaz, que descobriu para este ignorante e ressacado cronista quem seria o Dunga se fosse, por acaso, um personagem da grande literatura universal. Sabe quem seria?
Não? Vamos às pistas. Descarte, meu jovem, o carrancudo Brás Cubas. O personagem machadiano é muito reflexivo para o mais pragmático dos técnicos, que jamais admitiria a morte de véspera, como nos faz supor com seu listão de convocados.
Opa, tem sim a teimosia e o nacionalismo do Policarpo Quaresma do Lima Barreto. Mas cadê o quixotismo? Passa longe.
O canalha do Palhares, do Nelson Rodrigues? Menos, menos, não é por não gostar das escolhas ludopédicas do rapaz de Ijuí que assim vamos rotulá-lo. Ele é sério, honesto, trabalhador, sabe, desde menino, o gosto do suor que salga a boca e faz da vida o charqueado da virtude.
Ah, já sei, Dunga é o Blau, o vaqueano, dos contos gauchescos do João Simões Lopes Neto. O gremista Michel Laub, cabra do ramo literário, me cutuca e diz "não caia nessa", Blau é metafórico, aprecia falar coisas bonitas e compreensíveis.
Só o analista de Bagé, criatura saída da costela no bafo de um gaúcho genialíssimo, um homem capaz de fazer das coisas mais labirínticas algo "facinho, facinho", poderia explicar esse momento lindo. Não, Dunga não seria o pagador de promessas do Dias Gomes. O grupo está unido, diria ele, não carece de fé. É guerra.
Quem dera tivesse a malandragem do Meninão do Caixote, o sinuqueiro de "Malagueta, Perus e Bacanaço", do mestre das ruas e dos pés sujos, sua excelência João Antônio!
Esquece! O bicho é de outro gênero. O corvo Edgar, asa negra do suspense, tira onda no poleiro de casa. Ora, fico viajando nos livros brasileiros, aprecio, adoro. Mas a agourenta ave, que imita, qual papagaio, Miss Soledad, uma das minhas ex-mulheres amadas, cigana da margem esquerda do Capibaribe, sapeca: "Não aprecio duas coisas na sua biblioteca. Primeiro, são os escribas nacionais; segundo, os autores vivos".
O corvo não consegue ler alguém que ele possa carimbar o ombro com o sobrevoo. "Cagar sobre a humanidade é coisa banal de pombo; meu negócio é o agouro sofisticado", diz.
Quem seria o Dunga, aquele que sairia de um livro e se materializaria na nossa frente?
Edgar tira onda da minha burrice.
Frágil, explico: comecei a ler muito tarde e dou graças ao Clube do Livro, uma espécie de Avon literária que alcançava os rincões do Crato. Ele finge que compreende a distância gutenberguiana que nos separa.
Daí me explica: "O Dunga é aquele cara teimoso do Melville, saca? O escriturário, que, diante do maior apelo, sempre diz: prefiro não, prefiro não escalar nem mesmo o maior jogador do mundo no momento, caso do Ganso, por supuesto".
Para quem quiser entender melhor o que diz o corvo, parceiro de quem-quens com o Pato e com o Ganso, é só pegar, baratinho em qualquer banca, o livro "Bartleby", do mesmo escriba de Moby Dick.
Falar em baleia, o que foi aquele jogo Grêmio x Santos? Um clássico dirigido pelo Hitchcock, no mínimo.
Prefiro que a volta, na Vila, seja mais óbvia e menos emocionante. Vixe, já virei Bartleby, tô fora.

xico.folha@uol.com.br


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