São Paulo, sábado, 14 de junho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MOTOR

Paralelepípedos

Líder da F-1, Kubica não é um predestinado, é produto de uma escola séria que, ufa, pode voltar a existir por aqui

FÁBIO SEIXAS
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE

A FOTO causa estranhamento e é preciso recorrer à legenda para entender do que se trata. Um terreno baldio, cheio de mato alto, asfalto em frangalhos, poças d'água, paralelepípedos aparentes.
O grande indicio está no personagem no centro da imagem. Mãos no bolso, sinal de introspecção, claramente desconfortável com a posição de modelo, Kubica posa para a "F1 Racing" no kartódromo de Cracóvia.
Foi ali que o líder do Mundial de Pilotos deu as primeiras aceleradas, dividiu as primeiras curvas, ultrapassou os primeiros adversários. A foto ao lado mostra Kubica em Melbourne, na abertura do campeonato. Tudo no lugar, cenário brilhoso, impecável, asséptico, bem F-1. Qual é a conclusão primária, basal, desse velho e velhaco truque de edição? "Pobrezinho, veja, saiu do nada e chegou à F-1. É um predestinado."
Não. Falta algo para a análise.
Uma foto intermediária. Mostrando Kubica, por exemplo, correndo de kart na Itália como piloto oficial da CGR. Ou como membro do programa de desenvolvimento da Renault -é, acredite, deixaram-no escapar.
Kubica é dono de um talento nato e é o clássico exemplo de sujeito que chega à F-1 fazendo barulho logo de cara -como todos os grandes campeões, registre-se. Mas esqueça mais esse conto de fadas na linha "da-plebécula-ao-topo-do-mundo". Kubica foi, também, aplicadíssimo aluno de uma escola das mais estruturadas.
Na tal pista de Cracóvia, ficou por pouco tempo. O automobilismo polonês inexiste, enfim. Precisou buscar o refinamento em outras plagas. Nas pistas da Itália, meca do kartismo, foi talhado o piloto que é. Primeiro estrangeiro a vencer o Nacional de lá, rumou para a F-Renault, de onde partiu para a F-3, de onde seguiu para a World Series (eram anos de falência da F-3000), de onde foi alçado a piloto de testes da BMW.
Uma escada de degraus firmes. E que explica, mais do que "predestinação" ou qualquer outro conceito sobrenatural, sua atual situação. Escada que é o problema por aqui.
Porque os torneios de kart podem até serem ricos e agitados e tecnicamente bacanas, mas o que vem a seguir é uma Polônia, assunto já batido e debatido aqui algumas vezes.
Mas há uma boa nova. E, ufa, como é bom nutrir esperanças...
Após anos de abandono, após quase afundar tantas vezes, a F-3 sul-americana passou para as mãos de uma empresa séria de marketing de relacionamento, a 63MKT. O foco é 2009 (novo chassi, novas pistas, pilotos de fora), mas os resultados já são visíveis em 2008. Mais: há plano em andamento para lançar a "Fórmula U", intermediária entre o kart e a F-3, preenchendo uma lacuna que a CBA não se mexe para tapar.
É de longe a notícia do ano para o automobilismo brasileiro. Porque, que me desculpem os românticos, aquela história da água é balela.


fseixas@folhasp.com.br

Texto Anterior: Feminino: Fofão só volta à quadra no início de julho
Próximo Texto: Holanda burla grupo da morte
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.