São Paulo, domingo, 14 de junho de 2009

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JUCA KFOURI

Era Dunga e não sabia


Está pintando um técnico melhor que a encomenda e do que ele mesmo talvez pudesse imaginar que seria


QUANDO, NO século 18, o pensador inglês Samuel Johnson escreveu que o patriotismo é o último refúgio dos canalhas, ele não quis dizer que o patriota é, necessariamente, canalha.
Quis dizer, apenas, que muitos são os canalhas que apelam para o patriotismo como derradeira tentativa de salvar sua pele.
Ao exaltar o comportamento da torcida pernambucana, Dunga não está nem sendo demagogo nem exagerado. Ele está só querendo que o comportamento dela vire padrão pelo país afora, por mais ingênua que seja a pretensão.
Afinal, nos anos 90, criou-se a ideia de que ninguém gostava tanto da seleção brasileira quanto os pernambucanos e criou-se, também, um rótulo que de tempos em tempos os próprios pernambucanos fazem questão de reforçar. Não há mal nenhum nisso, ainda mais que o Mundão do Arruda tem sido invariavelmente palco de atuações convincentes dos times da CBF que passam por lá, como aconteceu na quarta-feira passada diante do Paraguai.
Ruim é ouvir Galvão Bueno tentar negar o óbvio sobre os vínculos ultimamente esgarçados entre a torcida em geral e a seleção. Ainda mais que ele mesmo caiu em contradição ao recusar, na abertura de sua sempre patriótica narração, a constatação das relações estremecidas e, ao fim dela, dizer que esperava que a vitória reatasse os laços da torcida com o time de camisa amarela. Ora, ou bem havia problemas ou não havia, embora talvez ele até tenha razão e as baixas audiências recentes dos jogos da seleção tenham mais a ver com a narração dos jogos do que com qualquer sentimento de desamor.
Seja como for, interessa reconhecer, apenas por ser justo e não para estabelecer relações privilegiadas, que o trabalho tão dura e justamente criticado de Dunga começa a frutificar, a dar um rosto para a sua seleção, seja esta cara do agrado ou não do torcedor ou do crítico.
Este que vos escreve, por exemplo, sempre gostou mais das caras das seleções de 1958 e 1970 do que das de 1994 e 2002, todas campeãs. Ou gostou muito mais da de 1982 do que das de 1974, 1978 e 1990, todas derrotadas de um jeito ou de outro. Como gostava, e muito, de Dunga como jogador e como crítico das mazelas de nosso futebol, papel que naturalmente abandonou ao se tornar empregado da CBF.
Se Dunga errou muito no começo de sua vida como técnico, não só ao convocar os Afonsos da vida mas também ao adotar um tom agressivamente defensivo em suas entrevistas, cumpre reconhecer que ele tem vencido apostas importantes, seja com Júlio César e Daniel Alves, seja, principalmente, com Felipe Melo, apesar de insistir com Gilberto Silva (Ramires formará dupla melhor com Felipe Melo) e de ainda não ter achado a solução para a lateral esquerda. Como melhorou o jeito de se comunicar sem deixar de ser quem é. Dunga nem ninguém tem o monopólio do patriotismo (tomara que não leiloe seus troféus mais tarde) e os que buscam tê-lo são, em regra, os tais canalhas, o que não é o caso dele nem de Galvão, que foi apenas bocó. Melhor que Dunga seja como treinador o que foi como jogador.

blogdojuca@uol.com.br


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