São Paulo, terça-feira, 14 de agosto de 2007

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SONINHA

Simpatizante não, indiferente

Mas, então, futebol é sexo? Não? Então o que importa o que as pessoas fazem ou deixam de fazer na cama?

"NÃO EXISTEM homossexuais". O título provocativo do texto de João Pereira Coutinho na Folha da semana passada, destacado no UOL, deve ter atraído uma torrente de acessos. De esperançosos de encontrar a afirmação de que a única condição aceitável é ser hétero, e que os que se dizem homossexuais estão enganados, desviados, confusos e não deveriam existir. E de pessoas receosas de que fosse isso.
O que Coutinho questiona não é a existência (só faltava) da homossexualidade e sim a idéia de transformar uma atividade na definição do que a pessoa é. "Existem atos homossexuais. E atos heterossexuais", diz. E pergunta se não é aberrante "elevar o sexo a condição identitária". "Sou como ser humano o que faço na minha cama [?]".
Anos atrás, ainda na MTV, me perguntaram: "Você é lésbica ou simpatizante?". A sigla em vigor era GLS, hoje substituída por GLBTTT. Disse: "Sou simpatizante da causa (defesa dos direitos iguais; respeito à diversidade). Mas queria que houvesse um "i", de "indiferente". Não preciso simpatizar com a orientação sexual de ninguém.
Com o desejo ou afeto por este ou aquela. Não deveria importar".
Mas ainda importa. A ponto de alguém se sentir "acusado", "ofendido em sua dignidade e decoro", "injuriado" quando se cogita que ele seja homossexual. De amigos ou parentes desmentirem essa condição dizendo: "Não, ele é decente, saudável, bom caráter", como se homossexualidade implicasse o contrário. E a ponto de um magistrado dizer que homossexuais não deveriam jogar futebol, a não ser entre si próprios.
Quer dizer, então, que futebol é "hetero"? Então... futebol é sexo?
Uma espécie, talvez, de dança do acasalamento? E eu que pensava que era um esporte, dividido apenas por questões de força e resistência física em masculino e feminino... Se bem que já devia ter desconfiado. Parece sexo, não parece?
Com todas aquelas metáforas, os duplos sentidos... E as situações concretas muito sugestivas.
Falando sério: o que um homem precisa ser e fazer para jogar futebol? Precisa sentir-se atraído por mulheres? E ser celibatário, pode?
Se alguém tiver voto de castidade, não prejudica a "uniformidade de pensamento da equipe" aludida pelo juiz? E as meninas, não podem jogar se forem lésbicas?
É difícil falar sério quando a questão foi tão avacalhada -em uma decisão judicial que prega a segregação, citando hino de clube e rimando "galho" e "baralho". O que mais será que, na opinião do autor, um homossexual não deve fazer?
Em 1907, o regulamento do campeonato carioca proibia a inscrição de jogadores "de cor"; por conta disso, o corajoso Bangu se recusou a participar. Que bom que esse veto parece, hoje, absurdo. O juiz da 9ª Vara acha que não cabe comparação entre as situações -afinal, "o negro desvelou-se (e em várias atividades) importantíssimo para a história do Brasil: o mais completo atacante jamais visto (...) é negro".
Ou seja, não admite que quem pratica atos homossexuais, a quem pretende excluir, possa, como os negros, revelar-se "importante".
Barbaridade. Cem anos depois.


soninha.folha@uol.com.br

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