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SONINHA
Simpatizante não, indiferente
Mas, então, futebol é sexo? Não? Então o que importa o que as pessoas fazem ou deixam de fazer na cama?
"NÃO EXISTEM homossexuais". O título provocativo do texto de João Pereira Coutinho na Folha da semana
passada, destacado no UOL, deve
ter atraído uma torrente de acessos. De esperançosos de encontrar
a afirmação de que a única condição aceitável é ser hétero, e que os
que se dizem homossexuais estão
enganados, desviados, confusos e
não deveriam existir. E de pessoas
receosas de que fosse isso.
O que Coutinho questiona não é
a existência (só faltava) da homossexualidade e sim a idéia de transformar uma atividade na definição
do que a pessoa é. "Existem atos
homossexuais. E atos heterossexuais", diz. E pergunta se não é
aberrante "elevar o sexo a condição
identitária". "Sou como ser humano o que faço na minha cama [?]".
Anos atrás, ainda na MTV, me
perguntaram: "Você é lésbica ou
simpatizante?". A sigla em vigor
era GLS, hoje substituída por
GLBTTT. Disse: "Sou simpatizante
da causa (defesa dos direitos iguais;
respeito à diversidade). Mas queria
que houvesse um "i", de "indiferente". Não preciso simpatizar com a
orientação sexual de ninguém.
Com o desejo ou afeto por este ou
aquela. Não deveria importar".
Mas ainda importa. A ponto de
alguém se sentir "acusado", "ofendido em sua dignidade e decoro",
"injuriado" quando se cogita que
ele seja homossexual. De amigos
ou parentes desmentirem essa
condição dizendo: "Não, ele é decente, saudável, bom caráter", como se homossexualidade implicasse o contrário. E a ponto de um magistrado dizer que homossexuais
não deveriam jogar futebol, a não
ser entre si próprios.
Quer dizer, então, que futebol é
"hetero"? Então... futebol é sexo?
Uma espécie, talvez, de dança do
acasalamento? E eu que pensava
que era um esporte, dividido apenas por questões de força e resistência física em masculino e feminino... Se bem que já devia ter desconfiado. Parece sexo, não parece?
Com todas aquelas metáforas, os
duplos sentidos... E as situações
concretas muito sugestivas.
Falando sério: o que um homem
precisa ser e fazer para jogar futebol? Precisa sentir-se atraído por
mulheres? E ser celibatário, pode?
Se alguém tiver voto de castidade,
não prejudica a "uniformidade de
pensamento da equipe" aludida
pelo juiz? E as meninas, não podem jogar se forem lésbicas?
É difícil falar sério quando a
questão foi tão avacalhada -em
uma decisão judicial que prega a
segregação, citando hino de clube e
rimando "galho" e "baralho". O que
mais será que, na opinião do autor,
um homossexual não deve fazer?
Em 1907, o regulamento do campeonato carioca proibia a inscrição
de jogadores "de cor"; por conta
disso, o corajoso Bangu se recusou
a participar. Que bom que esse veto parece, hoje, absurdo. O juiz da
9ª Vara acha que não cabe comparação entre as situações -afinal, "o
negro desvelou-se (e em várias atividades) importantíssimo para a
história do Brasil: o mais completo
atacante jamais visto (...) é negro".
Ou seja, não admite que quem
pratica atos homossexuais, a quem
pretende excluir, possa, como os
negros, revelar-se "importante".
Barbaridade. Cem anos depois.
soninha.folha@uol.com.br
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