São Paulo, sábado, 14 de setembro de 2002

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FUTEBOL

Bola censurada

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

O assunto é antigo, mas alguns fatos novos vieram requentá-lo. Refiro-me à policialesca repressão aos dribles e às embaixadas, por conta de um suposto "código de ética" entre os futebolistas.
Na última quarta-feira, essa tendência repressora chegou a um novo patamar de insanidade, quando o juiz de Coritiba x Santos, Leonardo Gaciba da Silva, marcou falta contra o time paranaense pelo fato de um de seus jogadores, Jabá, passar o pé por cima da bola duas ou três vezes diante de um zagueiro santista.
O árbitro considerou o drible uma provocação ao atleta adversário e, antecipando-se a uma possível reação deste, resolveu punir o driblador.
Faço minhas as palavras do leitor Philippe Versiani Passos, para quem o tal "código moral" (que ele chama apropriadamente de "Livro Negro das Humilhações") limita "a beleza das jogadas, a capacidade de espetáculo, a técnica, o malabarismo e a habilidade de alguns jogadores".
Prossegue o leitor:
"Constam desse funesto livro inúmeras coreografias de Edílson, fintas em rumba de Denílson, balés de Garrincha, frevos de Cafuringa, várias indecentes pinturas de Reinaldo, inúmeras esculturas de Pelé, a coletânea de sonetos e contos de Zico, os "parangolés" do Botafogo e muitas outras obras proibidas. Tais comportamentos, segundo reza a moral vigente, podem e devem ser punidos com falta violenta seguida da expulsão do autor, visando um futebol rápido, objetivo, chato, seco e sem preliminares".
Para concluir, Versiani diz que, no Coritiba x Santos, o árbitro Gaciba "censurou cena, jogada, lance e protagonista. De quebra, censurou a bola".
Outro leitor, Diorindo Lopes Júnior, escrevendo antes da partida de quarta, manifestou-se indignado com o que aconteceu domingo passado, na partida entre Sport e Botafogo (pancadaria generalizada depois que um jogador do Sport fez embaixadas no meio-de-campo).
Disse Lopes Júnior: "Habilidade, parece, não tem mais valor. Já a violência de beques e volantes medíocres... Não acreditei quando um dirigente do Sport disse que o jogador seria punido "por fazer gracinha" e o próprio jogador pediu desculpas".
Estou com os dois leitores, a quem agradeço, aliás, por terem me ajudado a escrever a coluna de hoje.
Definitivamente, um Mané Garrincha não teria vez no futebol atual. Se escapasse da fúria dos pontapés (aprovada por treinadores, dirigentes e parte da imprensa), não escaparia da vigilância dos Gacibas da vida.
E não me venham com aquela conversa de que Garrincha só driblava "para frente, em direção ao gol", como se ele fosse um Luís Figo da vida.
Fazia isso quando queria ou precisava (vide Copa de 62), mas também se divertia à beça -e fazia a torcida se divertir.
Embora tenham sobrevivido poucas imagens da época, todos nós já vimos lances em que Mané ficava dançando na frente do beque, sem tocar na bola, por puro prazer. Para quem não viu, recomendo vivamente o belo documentário "Garrincha, Alegria do Povo", de Joaquim Pedro de Andrade.
Pois é justamente essa alegria que estão tentando agora censurar, em nome de um duvidoso respeito e de uma ainda mais duvidosa ética.

Peças não originais
O processo de transformação do futebolista em mercadoria chegou ao ápice com Ronaldo. Leio na revista "Carta Capital" que no contrato do jogador com o Real Madrid está previsto que, se ele tiver problemas no joelho esquerdo, o clube espanhol se encarregará do tratamento, mas, se os problemas forem no joelho direito, a responsabilidade será da Inter de Milão. Parece certificado de garantia de uma máquina que veio do conserto.

Esporte e cidadania
Acontece no Rio, nos dias 17, 18 e 19, o seminário "Política de Esportes e Cidadania". O evento, promovido pelo Núcleo de Projetos e Estudos Esporte e Cidadania, terá a participação de dirigentes políticos e esportivos, cientistas sociais, jornalistas, ex-atletas e representantes das torcidas. Informações pelo telefone 0/xx/21/2557-7029.

E-mail jgcouto@uol.com.br



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