São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2008

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Cielo espera competição até nos treinos em 2009

Ainda cansado, campeão olímpico se prepara para concorrência em seu "refúgio"

Brasileiro planeja fim de ano sem internet e telefone para, enfim, descansar e encarar volta aos treinamentos em Auburn, em janeiro, nos EUA


MARIANA LAJOLO
DA REPORTAGEM LOCAL

A medalha de ouro conquistada em Pequim transformou César Cielo em caça, e a perseguição a ele começará em sua própria casa. A partir do início do ano, seu ritual diário de entrar na piscina ainda de madrugada e cumprir milhares de metros de treino na pacata Auburn não será mais como antes.
O sucesso do brasileiro na piscina chinesa atraiu dezenas de atletas para a cidade norte-americana. O antigo refúgio é agora, também, abrigo de seus rivais. O técnico, antes quase exclusivo, terá de se desdobrar.
"Tudo vai ser diferente. Psicologicamente, será mais difícil do que em 2008, antes da Olimpíada. Vão querer ganhar de mim até em treino. Para eles, é bom saber que derrotaram o campeão olímpico. Teremos seis [de 16] semifinalistas olímpicos na água. Minha rotina será competitiva até quando não deveria ser", afirma Cielo, 21.
O semblante do nadador muda quando ele começa a imaginar as gozações que pode sofrer da equipe em Auburn. O campeonato nacional universitário dos EUA começa em março, e o brasileiro tem seu nome gravado no grande quadro de recordistas da competição.
"Se alguém bater um recorde meu, ouvirei até o Mundial [em julho]. Se perder no treino, vou ficar ouvindo. É um estresse que não tem jeito. Acho que terei de tomar cuidado com a pressão que coloco em mim."
Cielo é competitivo ao extremo, não admite derrotas e sofre ao ver os adversários melhorando suas marcas. Antes de Pequim, entrou em parafuso com a avalanche de recordes em suas provas -100 m e 50 m livre-, enquanto seus tempos não o colocavam entre principais os candidatos ao ouro.
"Essa é uma das coisas que venho conversando com o Brett [Hawke, seu técnico nos EUA] para no ano que vem não acontecer nenhum tipo de estresse que possa acabar com a temporada antes do Mundial."
Os papos com o treinador têm acontecido esporadicamente. Até a semana passada, o australiano economizava as palavras e era só conselhos ao pupilo. Mas, na segunda-feira, Hawke mudou o tom. Ao ouvir novamente que Cielo não havia voltado para os treinos pesados, caprichou na bronca.
"Ele perguntou se estou querendo ser o "Ian Thorpe 2", que desistiu aos 24 anos porque não tinha motivação para competir [o nadador australiano era um dos maiores fenômenos da natação mundial, dono de cinco ouros olímpicos]", diz Cielo.
Nem as broncas do treinador, porém, foram suficientes para fazer o brasileiro recuperar já o antigo prazer. Nos primeiros treinos, quando viu que teria de encarar 7.000 m, 8.000 m na piscina, sofreu. "Não queria ficar indo e voltando na piscina. Se me pedissem para correr, pedalar, tudo bem, mas eu estava sem vontade de nadar. Mas fui reclamando e levando..."
Cielo também foi menos rigoroso com horários de descanso e com a alimentação depois da conquista em Pequim. E também se cobra por isso.
"Eu sei que é outro período de treino, ainda na ressaca da Olimpíada, mas quem já fez a coisa toda certinha fica se massacrando quando sai da linha. Eu devia ter treinado mais, com certeza. O próximo ano só vai dar certo se eu me superar de novo. Vou ter de abraçar esse desafio e descobrir de novo o prazer de competir", diz Cielo.
Embora saiba que o fim do ano é um período mais light, o brasileiro demonstra preocupação com o risco de falhar nas provas que tem pela frente.
"No fundo, a gente sabe que resultado não vai vir agora. Nos EUA, muita gente nem voltou a treinar ainda. Não precisa ter pressa para voltar a competir, mas o que eu não queria era estar perdendo. O que mais pesa é o medo de perder", diz.

Blindagem
Se o cansaço impede Cielo de voltar à toda para a piscina, o nadador já tratou de se cercar de cuidados para evitar que o status de celebridade atrapalhe ainda mais a vida de atleta.
As entrevistas agora acontecem apenas uma vez por semana e sua mãe, Flávia, transformou-se em sua empresária.
Assim que ganhou o ouro, Cielo havia fechado com o ex-nadador Fernando Scherer. O campeão olímpico, porém, diz que precisava de alguém que lhe desse dedicação exclusiva.
"Não existe ninguém mais próximo em quem eu poderia confiar. Brinco que minha mãe agora é minha empregada. Comprei um vestido para ela um dia desses e brinquei que era o 13º. Ela sabe do que eu gosto e do que não gosto. É mais fácil trabalhar assim", diz Cielo.
A blindagem na nova vida inclui até cuidados durante os momentos de diversão. Para evitar flagras constrangedores em festas ou com namoradas, Cielo sempre se policia.
"Meu comportamento mudou, principalmente por eu ser atleta. Aqui, se vêm você numa festa já perguntam se está bebendo e há muita maldade. O YouTube acabou com a privacidade. O bom é que meus amigos me ajudam muito", afirma.
Descansar sem interferências, só após o fim dos compromissos. Hoje, Cielo disputa um desafio de velocistas em Fortaleza. Seu rival mais badalado será Jason Lezak, herói dos revezamentos dos EUA e bronze nos 100 m livre nos Jogos de Pequim, ao lado do brasileiro.
O evento é a última competição de Cielo na piscinas em 2008. Na terça, deve receber o prêmio do comitê olímpico de melhor atleta do país no ano. Depois, quer férias, sem celular ou internet. E, enfim, relaxar.
"Descansei o corpo depois da Olimpíada, mas a cabeça não deu. A cada entrevista você repete as mesmas coisas, fala tanto de piscina que não quer mais olhar para ela. Também fico revivendo o estresse por que passei. Quero esquecer que a natação existe por um tempo."


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