São Paulo, segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

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ENTREVISTA DA 2ª - ZICO

Não dá para o goleiro ser o destaque da seleção

Com a bagagem de 5 Mundiais, como jogador, técnico ou coordenador, o ex-camisa 10 prevê dificuldade na África

Treinador há dez anos, Arthur Antunes Coimbra, o Zico, avalia que a boa fase de Júlio César reflete a vulnerabilidade do Brasil de Dunga. O ex-craque do Flamengo e da seleção, que disputou em campo as Copas de 78, 82 e 86 (além das de 98 e 2006) dá detalhes do o rompimento, para ele irreversível, com o presidente da CBF, Ricardo Teixeira: em sua versão, o cartola negociou a desistência da candidatura brasileira à sede da Copa-2006 e não o avisou pessoalmente, ele que era o chefe da comitê de campanha do país. Zico não quis mais ouvir falar dele.

FABIO VICTOR
DA REPORTAGEM LOCAL

Como futebol não é grego para Zico, muito pelo contrário, o ex-meia consolida sua carreira de técnico em mais um país de língua inacessível. Aos 56 anos, após treinar por quatro anos o Japão (de um total de 15 anos no país), passar por Turquia (Fenerbahce), Uzbequistão (Bunyodkor) e Rússia (CSKA), ele comanda agora o Olympiacos de Atenas, que na semana passada se classificou às oitavas de final da Copa dos Campeões. Na entrevista a seguir, concedida por telefone, da Grécia, o maior ídolo da história do Flamengo lamenta que o clube não consiga formar ex-jogadores para serem executivos, analisa a vitória de Patrícia Amorim para a presidência e comenta os dilemas sobre Adriano.

 

FOLHA - Que efeitos traz, do ponto de vista profissional e cultural, trabalhar em tantos países diferentes?
ZICO
- Culturalmente é fantástico, você tem oportunidade de viver costumes, hábitos, climas diferentes. Poder enriquecer meus conhecimentos como cidadão é fundamental. Esportivamente, algumas situações poderiam não ter acontecido. Primeiro que em nenhum momento eu gostaria de ter saído da Turquia [em 2008], estava totalmente ambientado. O problema não foi comigo, mas com meu irmão Edu [auxiliar técnico] e com o [preparador físico] Moracy [Sant'Anna]. [Edu brigou com o presidente e foi dispensado junto com Moracy]. No fim do meu contrato queriam renovar só comigo, eu não quis. Ofereceram muito mais, mas meu problema não era dinheiro. O Rivaldo me ligou e me falou do projeto do Uzbequistão, eu aceitei. A parte financeira era excelente, e tem hora que não pode recusar, senão não aparece mais. Fui para lá, correu tudo bem, aí veio a Rússia.

FOLHA - Você saiu pela proposta da Rússia?
ZICO
- Não por causa de dinheiro, porque estava ganhando muito mais, mas para voltar à Europa, o CSKA ia disputar a Copa dos Campeões... E acabei me dando mal, pois uma semana antes de começar o torneio me deram um pé na bunda.

FOLHA - O Olympiacos surgiu logo?
ZICO
- Quando estava indo ao aeroporto, recebi um telefonema, perguntando se o Olympiacos me interessava. "Claro", eu respondi. Quando cheguei a Paris, na escala, o telefone já tinha mais de dez recados perguntando se podia ficar. Aí, foi uma aventura, tive que retirar as bagagens todas, ficar em Paris, no dia seguinte viajar pra Grécia, acertar contrato. Em 24 horas acertei e já assisti ao primeiro jogo da Champions [League, Copa dos Campeões].

FOLHA - Quem dará mais trabalho ao Brasil na primeira fase da Copa?
ZICO
- Acho que até a Coreia pode dar trabalho, por ser o primeiro jogo, quando está sempre todo mundo muito motivado. Gostaria que o Brasil pegasse Portugal logo de cara.

FOLHA - Mas quais você acha que passam no grupo?
ZICO
- Acho que Brasil, Portugal e Costa do Marfim vão brigar. Costa do Marfim tem os melhores jogadores da África. Portugal não gerou até hoje a segurança de que vai se classificar, foi muito instável nas eliminatórias, mas tem individualmente grandes jogadores. Além de ter um dos melhores do mundo [Cristiano Ronaldo], tem Deco, Nani, Ricardo Carvalho, Bruno Alves, Simão.

FOLHA - O que precisa ser corrigido na seleção até a Copa?
ZICO
- Tem de tomar cuidado para não cair na rotina de nosso Júlio César ser sempre um dos melhores em campo, né? Porque acho que o goleiro está lá pra fazer o melhor dele, mas tivemos uma infinidade de jogos em que Júlio César foi o fator preponderante. Quando o goleiro se torna um dos melhores em campo é sinal de que alguma coisa está mais vulnerável. O goleiro do Brasil sempre foi assim: como a bola vai lá poucas vezes, o cara faz uma boa grande defesa, duas. Agora, fazer cinco, seis, num jogo...

FOLHA - Por que isso acontece?
ZICO
- Não sei... Isso aí, às vezes, o cara [diz]: "Não, nosso goleiro está numa ótima forma". A mesma coisa no ataque: acho que em 2006 jogaram muito a responsabilidade em cima do Ronaldinho, que estava numa fase fantástica. Aí teve muita gente que não se preparou adequadamente [e pensou]: "Não, Ronaldinho se tiver bem vai lá e decide". Mas Copa não é assim, é preciso todo um conjunto para as coisas funcionaram bem.

FOLHA - Dunga diz que o importante é entrar para a história como vencedor, e não pelo futebol jogado, mostrando desdém por times como o Brasil de 82. Como você vê essa apologia ao futebol de resultados?
ZICO
- Acho que grandes equipes que não venceram ficaram marcadas para sempre, a Holanda de 74, o Brasil de 82, a Hungria de 54. E ninguém ficou marcado porque perdeu, mas porque foram grandes seleções. Então, acho isso balela. Se todo mundo pudesse jogar bem, encantar e ganhar, seria ótimo. Mas futebol não é assim. O resultado é muito importante, e ninguém gostaria de passar para a história perdendo. Mas essa apologia: "Ah, o Telê [Santana, técnico de 82] queria jogar bonito independentemente de ganhar". Nada disso. Queríamos ganhar, mas a gente jogava dessa forma. Não pode botar gente que joga de uma maneira para jogar de outra.

FOLHA - Já era o momento de o Brasil voltar a receber uma Copa? O país estará preparado?
ZICO
- Acho que o Brasil já merecia. Se tem um país que fez no futebol em relação aos clubes e a seleção, é o Brasil. Agora, tem que se preparar. Você não vê país que realizou uma Copa e perdeu em alguma coisa. Tem tudo para fazer a coisa bem feita. O torcedor merece estádios melhores.

FOLHA - A Copa-14 foi a forma que Ricardo Teixeira encontrou para reatar com Pelé? Há a chance de ocorrer o mesmo com você?
ZICO
- Não, eu não. Eu não tenho mais nenhuma condição.

FOLHA - Por quê?
ZICO
- Porque você perde a confiança nas pessoas. Para mim, só faz uma vez, não faz duas. Perdi a confiança, não acredito mais, para mim encerrou. Não digo a palavra nunca, na vida a gente nunca sabe. Mas trabalhar numa situação em que ele esteja, não pretendo.

FOLHA - Você foi chamado para contribuir de alguma forma com a organização da Copa de 2014?
ZICO
- Não, fui presidente do comitê [da candidatura à Copa] de 2006. Agora, não [fui chamado], mas também, pelo que eu falei...

FOLHA - Foi naquela ocasião que você rompeu com Teixeira? O que ocorreu exatamente?
ZICO
- Viajamos o mundo inteiro mostrando o que o Brasil tinha, até a Samoa nós fomos, fizemos palestras, apresentações, um grupo de trabalho de umas 20 pessoas que deu o suor. Quando chegou a última [reunião] da Europa, estávamos em Luxemburgo e depois íamos para Zurique, fazer a apresentação final. Foi quando houve o acordo, no qual o Brasil abriu mão [da candidatura] para apoiar a África do Sul. Ele foi incapaz de dar um pulo lá e conversar com todo mundo, explicar a situação. Telefonou lá para alguém, não sei, nem para mim foi, [e disse]: "Avisa aí que o Brasil saiu e que pode voltar todo mundo". A gente merecia mais respeito, uma certa dignidade pelo que todo mundo fez ali, sentar numa sala e explicar o que houve.

FOLHA - A nova diretoria do Flamengo busca um executivo para o futebol. Tem alguma sugestão?
ZICO
- Não. Só lamento que não tenha jogador de futebol que possa ocupar isso. Porque hoje nos clubes existem tantos cargos que ex-jogadores poderiam se preparar bem, fazer cursos, ou o próprio clube incentivar os jogadores que estão parando a se preparar para ocupar esses cargos. Quando fundei meu time [CFZ], botei lá vários ex-jogadores. Como o Andrade, que passou seis anos lá e está sendo eleito o melhor técnico do Brasil. Isso aí é uma satisfação para nós.

FOLHA - Acha que a Patrícia Amorim está preparada para assumir o Flamengo?
ZICO
- Não sei, né? Na minha cabeça, todo cara que se candidata tem que estar preparado. Ela participou da última administração, então, deve conhecer bem os problemas do clube.

FOLHA - Vale a pena tolerar os sumiços de Adriano em nome do futebol que ele joga, ou você concorda com a presidente eleita de que ele precisa ter mais responsabilidade?
ZICO
- Falar de longe é difícil. Acho que a diferença profissional só existe no final do mês, na hora do contracheque. No mais, direitos e obrigações têm que ser de todos, no dia a dia. Agora, quem está comandando é que tem de avaliar se é bom ou não. Graças a Deus, nunca precisei [como técnico] diferenciar este ou aquele jogador em nenhum lugar em que trabalhei. Quem está ali é que tem de administrar. Porque quando se está ganhando, tudo é festa; quando se está perdendo é que é o problema.


Folha Online

Leia a íntegra da entrevista

www.folha.com.br/093471




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