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ENTREVISTA DA 2ª - ZICO
Não dá para o goleiro ser o destaque da seleção
Com a bagagem de 5 Mundiais, como jogador, técnico ou coordenador, o ex-camisa 10 prevê dificuldade na África
Treinador há dez anos, Arthur Antunes Coimbra,
o Zico, avalia que a boa fase de Júlio César reflete
a vulnerabilidade do Brasil de Dunga. O ex-craque do Flamengo e da seleção, que disputou em
campo as Copas de 78, 82 e 86 (além das de 98 e 2006) dá detalhes do o rompimento, para ele irreversível, com o presidente da CBF, Ricardo Teixeira: em sua versão, o cartola negociou a desistência da candidatura brasileira à sede da Copa-2006 e não o avisou pessoalmente, ele que era o chefe da comitê de campanha do país. Zico não quis mais ouvir falar dele.
FABIO VICTOR
DA REPORTAGEM LOCAL
Como futebol não é grego para Zico, muito pelo contrário, o
ex-meia consolida sua carreira
de técnico em mais um país de
língua inacessível. Aos 56 anos,
após treinar por quatro anos o
Japão (de um total de 15 anos
no país), passar por Turquia
(Fenerbahce), Uzbequistão
(Bunyodkor) e Rússia (CSKA),
ele comanda agora o Olympiacos de Atenas, que na semana
passada se classificou às oitavas
de final da Copa dos Campeões.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, da Grécia, o
maior ídolo da história do Flamengo lamenta que o clube não
consiga formar ex-jogadores
para serem executivos, analisa
a vitória de Patrícia Amorim
para a presidência e comenta os
dilemas sobre Adriano.
FOLHA - Que efeitos traz, do ponto
de vista profissional e cultural, trabalhar em tantos países diferentes?
ZICO - Culturalmente é fantástico, você tem oportunidade de
viver costumes, hábitos, climas
diferentes. Poder enriquecer
meus conhecimentos como cidadão é fundamental. Esportivamente, algumas situações
poderiam não ter acontecido.
Primeiro que em nenhum momento eu gostaria de ter saído
da Turquia [em 2008], estava
totalmente ambientado. O problema não foi comigo, mas com
meu irmão Edu [auxiliar técnico] e com o [preparador físico]
Moracy [Sant'Anna]. [Edu brigou com o presidente e foi dispensado junto com Moracy].
No fim do meu contrato queriam renovar só comigo, eu não
quis. Ofereceram muito mais,
mas meu problema não era dinheiro. O Rivaldo me ligou e me
falou do projeto do Uzbequistão, eu aceitei. A parte financeira era excelente, e tem hora que
não pode recusar, senão não
aparece mais. Fui para lá, correu tudo bem, aí veio a Rússia.
FOLHA - Você saiu pela proposta da
Rússia?
ZICO - Não por causa de dinheiro, porque estava ganhando muito mais, mas para voltar
à Europa, o CSKA ia disputar a
Copa dos Campeões... E acabei
me dando mal, pois uma semana antes de começar o torneio me deram um pé na bunda.
FOLHA - O Olympiacos surgiu logo?
ZICO - Quando estava indo ao
aeroporto, recebi um telefonema, perguntando se o Olympiacos me interessava. "Claro", eu
respondi. Quando cheguei a Paris, na escala, o telefone já tinha
mais de dez recados perguntando se podia ficar. Aí, foi uma
aventura, tive que retirar as bagagens todas, ficar em Paris, no
dia seguinte viajar pra Grécia,
acertar contrato. Em 24 horas
acertei e já assisti ao primeiro
jogo da Champions [League,
Copa dos Campeões].
FOLHA - Quem dará mais trabalho
ao Brasil na primeira fase da Copa?
ZICO - Acho que até a Coreia
pode dar trabalho, por ser o primeiro jogo, quando está sempre todo mundo muito motivado. Gostaria que o Brasil pegasse Portugal logo de cara.
FOLHA - Mas quais você acha que
passam no grupo?
ZICO - Acho que Brasil, Portugal e Costa do Marfim vão brigar. Costa do Marfim tem os
melhores jogadores da África.
Portugal não gerou até hoje a
segurança de que vai se classificar, foi muito instável nas eliminatórias, mas tem individualmente grandes jogadores.
Além de ter um dos melhores
do mundo [Cristiano Ronaldo],
tem Deco, Nani, Ricardo Carvalho, Bruno Alves, Simão.
FOLHA - O que precisa ser corrigido
na seleção até a Copa?
ZICO - Tem de tomar cuidado
para não cair na rotina de nosso
Júlio César ser sempre um dos
melhores em campo, né? Porque acho que o goleiro está lá
pra fazer o melhor dele, mas tivemos uma infinidade de jogos
em que Júlio César foi o fator
preponderante. Quando o goleiro se torna um dos melhores
em campo é sinal de que alguma coisa está mais vulnerável.
O goleiro do Brasil sempre foi
assim: como a bola vai lá poucas
vezes, o cara faz uma boa grande defesa, duas. Agora, fazer
cinco, seis, num jogo...
FOLHA - Por que isso acontece?
ZICO - Não sei... Isso aí, às vezes, o cara [diz]: "Não, nosso goleiro está numa ótima forma".
A mesma coisa no ataque: acho
que em 2006 jogaram muito a
responsabilidade em cima do
Ronaldinho, que estava numa
fase fantástica. Aí teve muita
gente que não se preparou adequadamente [e pensou]: "Não,
Ronaldinho se tiver bem vai lá e
decide". Mas Copa não é assim,
é preciso todo um conjunto para as coisas funcionaram bem.
FOLHA - Dunga diz que o importante é entrar para a história como
vencedor, e não pelo futebol jogado,
mostrando desdém por times como
o Brasil de 82. Como você vê essa apologia ao futebol de resultados?
ZICO - Acho que grandes equipes que não venceram ficaram
marcadas para sempre, a Holanda de 74, o Brasil de 82, a
Hungria de 54. E ninguém ficou marcado porque perdeu,
mas porque foram grandes seleções. Então, acho isso balela.
Se todo mundo pudesse jogar
bem, encantar e ganhar, seria
ótimo. Mas futebol não é assim.
O resultado é muito importante, e ninguém gostaria de passar para a história perdendo.
Mas essa apologia: "Ah, o Telê
[Santana, técnico de 82] queria
jogar bonito independentemente de ganhar". Nada disso.
Queríamos ganhar, mas a gente
jogava dessa forma. Não pode
botar gente que joga de uma
maneira para jogar de outra.
FOLHA - Já era o momento de o
Brasil voltar a receber uma Copa? O país estará preparado?
ZICO - Acho que o Brasil já merecia. Se tem um país que fez no
futebol em relação aos clubes e
a seleção, é o Brasil. Agora, tem
que se preparar. Você não vê
país que realizou uma Copa e
perdeu em alguma coisa. Tem
tudo para fazer a coisa bem feita. O torcedor merece estádios
melhores.
FOLHA - A Copa-14 foi a forma que
Ricardo Teixeira encontrou para reatar com Pelé? Há a chance de ocorrer
o mesmo com você?
ZICO - Não, eu não. Eu não tenho mais nenhuma condição.
FOLHA - Por quê?
ZICO - Porque você perde a
confiança nas pessoas. Para
mim, só faz uma vez, não faz
duas. Perdi a confiança, não
acredito mais, para mim encerrou. Não digo a palavra nunca,
na vida a gente nunca sabe. Mas
trabalhar numa situação em
que ele esteja, não pretendo.
FOLHA - Você foi chamado para
contribuir de alguma forma com a organização da Copa de 2014?
ZICO - Não, fui presidente do
comitê [da candidatura à Copa]
de 2006. Agora, não [fui chamado], mas também, pelo que
eu falei...
FOLHA - Foi naquela ocasião que
você rompeu com Teixeira? O que ocorreu exatamente?
ZICO - Viajamos o mundo inteiro mostrando o que o Brasil
tinha, até a Samoa nós fomos,
fizemos palestras, apresentações, um grupo de trabalho de
umas 20 pessoas que deu o
suor. Quando chegou a última
[reunião] da Europa, estávamos em Luxemburgo e depois
íamos para Zurique, fazer a
apresentação final. Foi quando
houve o acordo, no qual o Brasil
abriu mão [da candidatura] para apoiar a África do Sul. Ele foi
incapaz de dar um pulo lá e
conversar com todo mundo, explicar a situação. Telefonou lá
para alguém, não sei, nem para
mim foi, [e disse]: "Avisa aí que
o Brasil saiu e que pode voltar
todo mundo". A gente merecia
mais respeito, uma certa dignidade pelo que todo mundo fez
ali, sentar numa sala e explicar
o que houve.
FOLHA - A nova diretoria do Flamengo busca um executivo para o
futebol. Tem alguma sugestão?
ZICO - Não. Só lamento que
não tenha jogador de futebol
que possa ocupar isso. Porque
hoje nos clubes existem tantos
cargos que ex-jogadores poderiam se preparar bem, fazer
cursos, ou o próprio clube incentivar os jogadores que estão
parando a se preparar para ocupar esses cargos. Quando fundei meu time [CFZ], botei lá vários ex-jogadores. Como o Andrade, que passou seis anos lá e
está sendo eleito o melhor técnico do Brasil. Isso aí é uma satisfação para nós.
FOLHA - Acha que a Patrícia Amorim está preparada para assumir o
Flamengo?
ZICO - Não sei, né? Na minha
cabeça, todo cara que se candidata tem que estar preparado.
Ela participou da última administração, então, deve conhecer
bem os problemas do clube.
FOLHA - Vale a pena tolerar os sumiços de Adriano em nome do futebol que ele joga, ou você concorda com a presidente eleita de que ele precisa ter mais responsabilidade?
ZICO - Falar de longe é difícil.
Acho que a diferença profissional só existe no final do mês, na
hora do contracheque. No
mais, direitos e obrigações têm
que ser de todos, no dia a dia.
Agora, quem está comandando
é que tem de avaliar se é bom ou
não. Graças a Deus, nunca precisei [como técnico] diferenciar
este ou aquele jogador em nenhum lugar em que trabalhei.
Quem está ali é que tem de administrar. Porque quando se
está ganhando, tudo é festa;
quando se está perdendo é que
é o problema.
Folha Online
Leia a íntegra da entrevista
www.folha.com.br/093471
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