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FUTEBOL
Passes errados
SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA
Na gritaria dos dirigentes contra o fim do passe,
alguns dizem que precisam ser
"indenizados" pelo dinheiro investido nos atletas revelados por
eles. Contudo indenização é algo que você recebe quando alguém lhe causa um dano.
Um jogador revelado por um
clube é um "prestador de serviço", que faz o melhor possível
por si mesmo e pelo clube onde
joga. Para isso, ele é pago com
uma ajuda de custo irrisória
-especialmente se é jovem- e,
às vezes, com valores exorbitantes. Quando o atleta deixa esse
time e se transfere para outro,
por que o clube tem de ser indenizado? O jogador forneceu o
seu trabalho durante anos, o
que mais ele deve entregar?
Os clubes falam das despesas
que têm com as categorias de
base como se: a) gastassem milhões de dólares com elas; b) o fizessem por caridade, e não como um investimento.
Nem todos os garotos que passam pelo clube se tornam grandes craques, mas esse é um risco
que se corre em qualquer negócio. Como saber se o novo estagiário vai se tornar uma fera no
ramo? Só com o tempo.
Após alguns anos, o garoto
que começou do zero em uma
empresa pode se tornar um profissional cobiçado por outras.
Nenhuma vai pagar milhões pelo "passe" dele, bastará cobrir o
seu salário e eventual multa rescisória, além de oferecer as condições e desafios atrativos.
Dizem que o fim do passe vai
fazer com que o êxodo de garotos para a Europa não possa ser
contido. Como se os clubes europeus já não viessem à feira de
qualquer maneira, levando os
moleques que mal têm idade
para morar sozinhos e até pagando milhões pelos mais famosos. Ou seja, a molecada continuará indo embora. A diferença
é que os dólares não virão.
Será que o que preocupa os dirigentes é o êxodo dos garotos
ou a diferença no bolso?
Quando um clube descobre
um garoto talentoso, em uma
peneira ou em um time pequeno
do interior, não paga uma dinheirama por ele a menos que o
infeliz já tenha um empresário,
que "toma a posse" dele junto à
família. Nesse caso, desde cedo o
garoto tem um dono, que não é
o pai, a mãe ou ele mesmo. Os
donos vão se sucedendo, assim,
procurando lucrar cada vez
mais a cada transação. E depois
o jogador é que é o mercenário!
Nos últimos meses, diretores
do Flamengo e do Botafogo, desiludidos com as contratações
caras, disseram que os times têm
vocação para "vendedores, não
compradores". Notem o ato falho: decidem buscar jovens talentos em seu próprio quintal,
mas já pensam em revelar futuras mercadorias, não em montar um time bom e duradouro.
Os dirigentes parecem estar se
esquecendo de que, com o fim
do passe, eles não gastarão mais
milhões de dólares para adquirir um atleta. Uma compra desastrada pode enterrar quantia
equivalente ao investimento feito em dezenas de garotos. O pior
é que só há uma forma de tentar
reaver o dinheiro: passar o abacaxi adiante por um bom preço.
Porém ele precisa estar jogando,
e o técnico tem de escalar a
bomba. Cansamos de ver grandes contratações afundarem os
times. E o futebol? Um abraço.
O Grêmio estabeleceu o valor
de R$ 84 milhões pelo passe de
Ronaldinho, baseado no que o
clube havia lhe proposto para
que renovasse por dois anos. Ou
seja, se Ronaldinho for embora,
o Grêmio vai deixar de gastar
esse valor absurdo com um único jogador. E isso não é bom?
Comentaristas de Porto Alegre acreditam que o Grêmio pode até melhorar sem ele, porque
o conjunto terá de se organizar
de outra maneira, sem depender tanto de um só jogador. O time também acredita nisso. Ronaldinho quer ir embora, principalmente depois que passou a
ser agredido pela torcida. Por
que segurar o garoto na marra?
Digamos que alguém pagasse
os R$ 84 milhões exigidos. Ronaldinho teria direito a 15% disso (ou mais de R$ 12 milhões) e
talvez não fosse mais chamado
de mercenário, porque o clube
encheria os seus cofres também.
Quanto do dinheiro seria gasto
na revelação de novos valores?
Talvez o pior argumento dos
dirigentes seja o de que o fim do
passe vai representar "a falência
do futebol brasileiro". E eu que
pensei que já estivesse falido.
Um exemplo: o clássico Palmeiras e Corinthians, domingo,
só transmitido ao vivo no sistema pay-per-view (caríssimo até
para quem já é assinante de TV
a cabo, uma afronta!), teve
27.516 pagantes. Bom para o
torneio, mas pequeno para os
padrões de antigamente. Ainda
assim, houve tumulto na bilheteria (não previam tanta gente
na hora do jogo). Inacreditável.
E-mail : soninha.folha@uol.com.br
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