São Paulo, quinta-feira, 15 de fevereiro de 2001

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FUTEBOL
Passes errados

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

Na gritaria dos dirigentes contra o fim do passe, alguns dizem que precisam ser "indenizados" pelo dinheiro investido nos atletas revelados por eles. Contudo indenização é algo que você recebe quando alguém lhe causa um dano.
Um jogador revelado por um clube é um "prestador de serviço", que faz o melhor possível por si mesmo e pelo clube onde joga. Para isso, ele é pago com uma ajuda de custo irrisória -especialmente se é jovem- e, às vezes, com valores exorbitantes. Quando o atleta deixa esse time e se transfere para outro, por que o clube tem de ser indenizado? O jogador forneceu o seu trabalho durante anos, o que mais ele deve entregar?
Os clubes falam das despesas que têm com as categorias de base como se: a) gastassem milhões de dólares com elas; b) o fizessem por caridade, e não como um investimento.
Nem todos os garotos que passam pelo clube se tornam grandes craques, mas esse é um risco que se corre em qualquer negócio. Como saber se o novo estagiário vai se tornar uma fera no ramo? Só com o tempo.
Após alguns anos, o garoto que começou do zero em uma empresa pode se tornar um profissional cobiçado por outras. Nenhuma vai pagar milhões pelo "passe" dele, bastará cobrir o seu salário e eventual multa rescisória, além de oferecer as condições e desafios atrativos.
Dizem que o fim do passe vai fazer com que o êxodo de garotos para a Europa não possa ser contido. Como se os clubes europeus já não viessem à feira de qualquer maneira, levando os moleques que mal têm idade para morar sozinhos e até pagando milhões pelos mais famosos. Ou seja, a molecada continuará indo embora. A diferença é que os dólares não virão.
Será que o que preocupa os dirigentes é o êxodo dos garotos ou a diferença no bolso?
Quando um clube descobre um garoto talentoso, em uma peneira ou em um time pequeno do interior, não paga uma dinheirama por ele a menos que o infeliz já tenha um empresário, que "toma a posse" dele junto à família. Nesse caso, desde cedo o garoto tem um dono, que não é o pai, a mãe ou ele mesmo. Os donos vão se sucedendo, assim, procurando lucrar cada vez mais a cada transação. E depois o jogador é que é o mercenário!
Nos últimos meses, diretores do Flamengo e do Botafogo, desiludidos com as contratações caras, disseram que os times têm vocação para "vendedores, não compradores". Notem o ato falho: decidem buscar jovens talentos em seu próprio quintal, mas já pensam em revelar futuras mercadorias, não em montar um time bom e duradouro.
Os dirigentes parecem estar se esquecendo de que, com o fim do passe, eles não gastarão mais milhões de dólares para adquirir um atleta. Uma compra desastrada pode enterrar quantia equivalente ao investimento feito em dezenas de garotos. O pior é que só há uma forma de tentar reaver o dinheiro: passar o abacaxi adiante por um bom preço. Porém ele precisa estar jogando, e o técnico tem de escalar a bomba. Cansamos de ver grandes contratações afundarem os times. E o futebol? Um abraço.
O Grêmio estabeleceu o valor de R$ 84 milhões pelo passe de Ronaldinho, baseado no que o clube havia lhe proposto para que renovasse por dois anos. Ou seja, se Ronaldinho for embora, o Grêmio vai deixar de gastar esse valor absurdo com um único jogador. E isso não é bom?
Comentaristas de Porto Alegre acreditam que o Grêmio pode até melhorar sem ele, porque o conjunto terá de se organizar de outra maneira, sem depender tanto de um só jogador. O time também acredita nisso. Ronaldinho quer ir embora, principalmente depois que passou a ser agredido pela torcida. Por que segurar o garoto na marra?
Digamos que alguém pagasse os R$ 84 milhões exigidos. Ronaldinho teria direito a 15% disso (ou mais de R$ 12 milhões) e talvez não fosse mais chamado de mercenário, porque o clube encheria os seus cofres também. Quanto do dinheiro seria gasto na revelação de novos valores?
Talvez o pior argumento dos dirigentes seja o de que o fim do passe vai representar "a falência do futebol brasileiro". E eu que pensei que já estivesse falido.
Um exemplo: o clássico Palmeiras e Corinthians, domingo, só transmitido ao vivo no sistema pay-per-view (caríssimo até para quem já é assinante de TV a cabo, uma afronta!), teve 27.516 pagantes. Bom para o torneio, mas pequeno para os padrões de antigamente. Ainda assim, houve tumulto na bilheteria (não previam tanta gente na hora do jogo). Inacreditável.
E-mail : soninha.folha@uol.com.br

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