São Paulo, sábado, 15 de março de 2008

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JOSÉ GERALDO COUTO

A poesia suicida do gol contra


Há dez anos, ao marcar um golaço contra seu próprio time, Oséas produziu um desconcerto fecundo


PARECE que foi ontem, mas lá se vão dez anos. Em 15 de março de 1998, o atacante Oséas marcou um gol histórico atuando pelo Palmeiras contra o arqui-rival Corinthians.
Num escanteio, o artilheiro saltou com estilo e cabeceou no ângulo, fora do alcance do goleiro. O "detalhe" é que o gol foi contra.
A perplexidade causada pelo lance inusitado quase impediu a fiel de comemorar: os gritos e cânticos foram substituídos pelo riso, diante do silêncio pasmo dos palmeirenses. Uns e outros se perguntavam o que tinha acontecido. Oséas estava "na gaveta"? Teve um momento de confusão mental, um "branco" que o fez esquecer que atacava para o outro lado? Ou simplesmente não resistiu à bola tão bem cruzada por Marcelinho e, ao ver o goleiro Velloso adiantado, seu instinto goleador foi mais rápido que o raciocínio?
Ainda hoje acho que ninguém tem uma explicação definitiva sobre o fenômeno -nem o próprio Oséas, que, ao que parece, pendurou as chuteiras há dois anos, depois de ter passado pelo futebol japonês e pelo Brasiliense.
O que leva o profissional de um time de ponta a cometer, com destreza e precisão, o chamado "autogol"? Acho que foi Armando Nogueira que definiu uma vez o gol contra como uma espécie de suicídio. Por essa lógica, o atleta que o comete estaria atendendo a um impulso autodestrutivo, a uma pulsão de morte ou autopunição. Assunto para Contardo Calligaris.
É claro que não estou me referindo aqui ao gol contra visivelmente acidental, aquele em que a bola bate num zagueiro e desvia sua trajetória, tirando o goleiro da jogada. O que está em questão é o gol contra "consciente", aquele em que o jogador toma a iniciativa de lançar a bola em direção a suas próprias redes. É o gol contra "ativo", ou "volitivo", em oposição ao gol contra "passivo", fruto de um acidente.
Seja como for, um gol contra tão singular como o de Oséas nos mostra como o erro pode ser belo, pode até mesmo ter algo de sublime. Ao criar uma surpresa e um desconcerto que nos deixaram momentaneamente sem chão, Oséas revelou de chofre a todos -até a ele próprio- o caráter frágil e insondável da natureza humana. Nelson Rodrigues dizia que a poesia do futebol está no "frango", pelo patético que ele traz à tona. OK. Mas o gol contra, quando feito com tamanha perfeição, também pode ser um autêntico ato poético.

CHOQUE-REI
No clássico de amanhã, em Ribeirão Preto, o São Paulo defende um tabu de 11 anos sem derrota no Campeonato Paulista contra o Palmeiras. Se depender do que vêm fazendo nesta temporada, porém, o time alviverde tem grandes chances de vencer o burocrático tricolor. Mas clássico e clássico, blablablá...

REI EM XEQUE
Pelé disse esperar que não se repita na Copa do Mundo de 2014 a "administração duvidosa" do Pan-2007. Todos nós esperamos. Só que Pelé faz parte do comitê organizador da Copa, portanto tem obrigação de fazer mais do que simplesmente esperar.

jgcouto@uol.com.br


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