São Paulo, sexta-feira, 15 de abril de 2005

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FUTEBOL

Para dirigentes e imprensa, insulto foi coisa normal de jogo e o erro de Desábato foi desconhecer a diferença cultural

Argentinos lamentam vítima de exagero

SILVANA ARANTES
DE BUENOS AIRES

A detenção no Brasil do jogador Leandro Desábato, sob acusação de racismo, foi tratada na Argentina como um exagero e uma manobra de marketing do país.
"Eles [os brasileiros] querem liderar essa onda antidiscriminatória no esporte. Somos vítimas de exagero", declarou o dirigente do Quilmes José Luis Meiszner ao canal de TV "Todo Noticias".
"Quer dizer que a prova é a leitura labial? Agora os jogadores terão que ficar calados em campo?", comentou o apresentador.
O presidente do Quilmes, Daniel Razzetto, afirmou que a detenção do atleta estava armada. O presidente da AFA (Associação de Futebol Argentina), Julio Grondona, seguiu a mesma linha e disse que houve "certa intencionalidade" no episódio.
"Culparam alguém que não tem absolutamente nada a ver com isso. Esse menino, Desábato, eu o conheço, é um homem do interior", afirmou Grondona.
De acordo com o presidente da AFA, a entidade intercedeu pelo jogador na Justiça brasileira para tentar obter sua liberdade.
No hotel em que estava hospedada a delegação do Quilmes, os argentinos passaram o dia ontem evitando a imprensa enquanto disparavam telefonemas pedindo ajuda para libertar o jogador.
À noite, chegaram a descer ao lobby do hotel e ligar o ônibus do time, mas decidiram só deixar o país com Desábato -cerca de um terço da delegação já havia voltado à Argentina pela manhã.
Em uma das poucas vezes em que quebrou o silêncio, o técnico Gustavo Alfaro disse à rádio "Eldorado", sem permitir a gravação, que estava se sentindo discriminado por ser argentino.
Da Alemanha, onde está em visita oficial do presidente Néstor Kirchner, o ministro das Relações Exteriores da Argentina, Rafael Bielsa, ligou ao embaixador argentino no Brasil, segundo Razzetto. O Ministério não confirmou nem negou a informação.
Diferentes versões apareceram nas rádios e TVs argentinas sobre o que Desábato teria dito a Grafite. As principais variações foram "negro filho da puta", "negro de merda" e "lixo de negro".
A maioria dos jornalistas argentinos classificou a atitude do atleta como "insulto normal em jogos de futebol" e cujo teor racista é "parte do comportamento argentino". O principal erro de Desábato, na interpretação deles, foi desconhecer a "diferença cultural" e, sobretudo, as legislações sobre o racismo dos dois países. A brasileira é considerada muito dura.
"Sabemos que o Brasil não tem "low profile" neste tema [racismo], por isso estamos muito preocupados", afirmou Meiszner.
A atenção que a imprensa brasileira dispensou ao fato também foi alvo de crítica dos argentinos.
"Isso aqui está uma confusão. A imprensa do Brasil está sendo sensacionalista. Há dezenas de câmeras e até helicóptero aqui [na delegacia]", afirmou o jornalista Gérman Belize, que estava em São Paulo, à rádio "Mitre".
O locutor do programa "Vitamina G", Jorge Guinzburg, ironizou: "Mas no Brasil sabem que na Argentina ninguém conhece Desábato?". Guinzburg também perguntou ao repórter se o jogador argentino ocupa uma cela sozinho. "Só falta que ele esteja numa cela junto com uns "moreninhos" que fiquem sabendo o motivo de sua prisão", disse.
As edições eletrônicas dos principais jornais argentinos não deram destaque à prisão de Desábato. Diferentemente do que aconteceu no Brasil, o assunto não ocupou a manchete nem sequer as principais chamadas.
Ao longo do dia, o termo "racismo" deixou os títulos. A notícia passou a ser apresentado como: "Jogador argentino detido por chamar um rival de "negro"."
O embaixador da Argentina no Brasil, Juan Pablo Lohlé, considerou "exagerada" a prisão. "Em jogos de futebol, todos xingam todos." Lohlé defendeu que o jogador pedisse desculpas. Na sua opinião, Desábato não tinha a obrigação de saber que qualificar as pessoas como "negras" é considerado ofensa no Brasil.


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