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FUTEBOL
Uma arte popular
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
O futebol é uma arte popular. Essa definição simples,
precisa e irrefutável é do jornalista inglês John Carlin, no livro
"Anjos Brancos", sobre os bastidores do Real Madrid, que deve
chegar às livrarias no início de
maio, pela editora Relume Dumará.
Eis um trecho do livro, no qual a
definição acima ganha vida e
substância: "O futebol de Zidane
é arte. Arte que as pessoas estarão
admirando daqui a 500 anos. E
tem o grande mérito de não ser
uma arte reservada aos iniciados,
ao historiador de arte, ao melômano, ao leitor de Shakespeare e
Cervantes. É a única forma de arte verdadeiramente globalizada,
acessível a uma parcela da humanidade mais ampla do que qualquer outra arte antes. As pinceladas magníficas de Zidane têm
uma qualidade maravilhosamente democrática".
Nada a acrescentar. O problema é que, no dia-a-dia do futebol,
a arte é a exceção, quase soterrada pela barbárie, pela inépcia, pela corrupção. Como conciliar a
generosa definição de John Carlin
com a pancadaria generalizada
entre atletas do Palmeiras e do
Cerro Porteño na noite de quinta-feira no Parque Antarctica? Como fazer conviver sob a mesma
rubrica (futebol) Zidane e Edilson
Pereira de Carvalho, Ronaldinho
e Eurico Miranda?
É difícil convencer da beleza do
futebol os que não são aficionados, que tremem só de ouvir a palavra arte ser aplicada a esse esporte bárbaro que se joga com os
pés, numa aparente negação de
milênios de história do aprimoramento das habilidades manuais.
Talvez o problema do futebol
seja esse mesmo. Não dá para civilizá-lo totalmente, para isolá-lo
dos impulsos primais desencadeados cada vez que um grupo de
homens se vê diante de uma bola.
O sublime -que Carlin identifica, por exemplo, nas seleções
brasileiras de 70 e 82, no Ajax de
Cruyff, no Milan de Gullit, Rijkaard e Van Basten e no Real
Madrid de Ronaldo e Zidane-
convive inextricavelmente com o
selvagem, numa tensão contínua.
O futebol, afinal, humaniza ou
embrutece? Provavelmente as
duas coisas, dependendo da maneira como cada indivíduo o vivencia. Se um garoto cresce ouvindo seu pai falar, com olhos
marejados, dos prodígios de Pelé,
Garrincha ou Maradona, se é
educado na grande tradição dos
clubes e das Copas do Mundo, é
provável que se torne um aficionado sensível e exigente.
Quem, ao contrário, cresce ouvindo hinos de guerra das ditas
"organizadas" e ameaças de morte aos torcedores rivais aprenderá
a ver o futebol como campo de batalha, exibição de brutalidade e
estupidez.
Para que o futebol seja menos
bárbaro, é preciso que o homem
contemporâneo seja menos bárbaro. A arte do futebol, por maior
que seja, não substitui a educação, a cultura e as outras artes.
Aproximar de Shakespeare e Beethoven o torcedor de futebol,
aproximar do futebol os refinados
amantes da música e da poesia
-eis uma utopia pela qual vale a
pena lutar.
Pontapé inicial
O Brasileirão de 2006 já começa
quente, com Vasco x Inter, São
Paulo x Flamengo, Grêmio x
Corinthians, Goiás x Santos.
Com o rebaixamento programado de um quinto dos clubes
em competição, o campeonato
promete ser um dos mais dramáticos dos últimos tempos.
Antes tarde
Chamou muito a atenção, na
batalha campal de anteontem
no Parque Antarctica, o fato de
o atacante Edmundo ter sido
praticamente o único dos 22
em campo que se manteve afastado da confusão. Pode ser que
tenha sido só porque ninguém
pisou no seu pé, mas também
pode ser que, aos 35 anos ("a
metade do caminho da nossa
vida", segundo Dante), o craque tenha atingido, finalmente,
a idade da razão.
E-mail jgcouto@uol.com.br
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