São Paulo, sábado, 15 de abril de 2006

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FUTEBOL

Uma arte popular

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

O futebol é uma arte popular. Essa definição simples, precisa e irrefutável é do jornalista inglês John Carlin, no livro "Anjos Brancos", sobre os bastidores do Real Madrid, que deve chegar às livrarias no início de maio, pela editora Relume Dumará.
Eis um trecho do livro, no qual a definição acima ganha vida e substância: "O futebol de Zidane é arte. Arte que as pessoas estarão admirando daqui a 500 anos. E tem o grande mérito de não ser uma arte reservada aos iniciados, ao historiador de arte, ao melômano, ao leitor de Shakespeare e Cervantes. É a única forma de arte verdadeiramente globalizada, acessível a uma parcela da humanidade mais ampla do que qualquer outra arte antes. As pinceladas magníficas de Zidane têm uma qualidade maravilhosamente democrática".
Nada a acrescentar. O problema é que, no dia-a-dia do futebol, a arte é a exceção, quase soterrada pela barbárie, pela inépcia, pela corrupção. Como conciliar a generosa definição de John Carlin com a pancadaria generalizada entre atletas do Palmeiras e do Cerro Porteño na noite de quinta-feira no Parque Antarctica? Como fazer conviver sob a mesma rubrica (futebol) Zidane e Edilson Pereira de Carvalho, Ronaldinho e Eurico Miranda?
É difícil convencer da beleza do futebol os que não são aficionados, que tremem só de ouvir a palavra arte ser aplicada a esse esporte bárbaro que se joga com os pés, numa aparente negação de milênios de história do aprimoramento das habilidades manuais.
Talvez o problema do futebol seja esse mesmo. Não dá para civilizá-lo totalmente, para isolá-lo dos impulsos primais desencadeados cada vez que um grupo de homens se vê diante de uma bola.
O sublime -que Carlin identifica, por exemplo, nas seleções brasileiras de 70 e 82, no Ajax de Cruyff, no Milan de Gullit, Rijkaard e Van Basten e no Real Madrid de Ronaldo e Zidane- convive inextricavelmente com o selvagem, numa tensão contínua.
O futebol, afinal, humaniza ou embrutece? Provavelmente as duas coisas, dependendo da maneira como cada indivíduo o vivencia. Se um garoto cresce ouvindo seu pai falar, com olhos marejados, dos prodígios de Pelé, Garrincha ou Maradona, se é educado na grande tradição dos clubes e das Copas do Mundo, é provável que se torne um aficionado sensível e exigente.
Quem, ao contrário, cresce ouvindo hinos de guerra das ditas "organizadas" e ameaças de morte aos torcedores rivais aprenderá a ver o futebol como campo de batalha, exibição de brutalidade e estupidez.
Para que o futebol seja menos bárbaro, é preciso que o homem contemporâneo seja menos bárbaro. A arte do futebol, por maior que seja, não substitui a educação, a cultura e as outras artes. Aproximar de Shakespeare e Beethoven o torcedor de futebol, aproximar do futebol os refinados amantes da música e da poesia -eis uma utopia pela qual vale a pena lutar.

Pontapé inicial
O Brasileirão de 2006 já começa quente, com Vasco x Inter, São Paulo x Flamengo, Grêmio x Corinthians, Goiás x Santos. Com o rebaixamento programado de um quinto dos clubes em competição, o campeonato promete ser um dos mais dramáticos dos últimos tempos.

Antes tarde
Chamou muito a atenção, na batalha campal de anteontem no Parque Antarctica, o fato de o atacante Edmundo ter sido praticamente o único dos 22 em campo que se manteve afastado da confusão. Pode ser que tenha sido só porque ninguém pisou no seu pé, mas também pode ser que, aos 35 anos ("a metade do caminho da nossa vida", segundo Dante), o craque tenha atingido, finalmente, a idade da razão.

E-mail jgcouto@uol.com.br


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