São Paulo, terça-feira, 15 de abril de 2008

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JOSÉ ROBERTO TORERO

A mão, o olho e o marca-passo

Juízes não querem usar a tecnologia, em grande parte, por vaidade; eles querem ser o poder supremo em campo

RECENTEMENTE perguntei a um juiz o que ele achava de usar câmeras para ajudá-lo nas decisões de lances polêmicos.
"Aí teria outro juiz na cabine?", ele perguntou.
"Sim", respondi, "E ele se comunicaria com o senhor".
"Se é assim, sou totalmente contra. Isso pararia o jogo."
"Mas diminuiria o seu número de falhas."
"A falha faz parte da vida. E do futebol."
"Então, mesmo tendo recursos tecnológicos modernos e mais eficientes, não deveríamos usá-los?"
"Não. Os erros alimentam a polêmica. É uma questão de tradição."
"Mas e se..."
"Não, nada de modernidades!"
Depois deste ultimato, me calei.
Voltando para casa, enquanto esperava que um semáforo abrisse, fiquei imaginando no que aconteceria se um dia este juiz se sentisse mal.
Ele diria a sua mulher: "Querida, acho que estou sentindo umas pontadas no lado esquerdo do peito".
"Quer que eu telefone e chame uma ambulância?"
"Telefone? Não, nada de modernidades. Passe um telex."
"Um telex?"
"Sim, tenho um lá no meu escritório."
"Bem, se você prefere."
Um bom tempo depois, chega a ambulância tocando sirene e fazendo alarde.
"Um automóvel? Vivi, meu amor, você sabe que eu detesto essas coisas tecnológicas. Chame uma ambulância-carroça."
"Mas assim você vai demorar mais para chegar ao hospital."
"Tudo bem, é uma questão de tradição."
"Você manda, querido."
Durante algumas horas, o juiz e sua esposa chacoalham na parte de trás de uma carroça. Quando finalmente chegam ao hospital, o médico examina o paciente e chega à conclusão de que ele só sobreviverá com um marca-passo.
"Isso é eletrônico?"
"Sim. Temos um modelo novo, com pilha nuclear que dura 15 anos.
O senhor ficará como novo."
"Não, nada de modernidades!"
"Mas, sem o marca-passo, um dia o seu coração vai falhar e o senhor vai morrer."
"Tudo bem, a falha faz parte da..."
O pobre juiz nem completou a frase. Então o semáforo abriu e segui caminho.
Lembrei-me disse por conta do polêmico lance da mão de Adriano.
Provavelmente o Paulo César Oliveira (que não acho um juiz fantástico) estava com a visão encoberta no lance. Provavelmente, a bandeirinha também. Mas, nós, milhões de espectadores, não.
Acho que os próprios juízes é que teriam a obrigação de pressionar a Fifa a liberar o uso de câmeras para ajudá-los nesta tarefa tão importante. Eu, sentado em casa e comendo pipoca, não posso ter mais recursos do que quem comanda o espetáculo.
Mas nunca ouvi falar de um juiz que reivindicasse a liberação do uso de câmeras em público. E acho que eles não querem usar a tecnologia, em grande parte, por vaidade. Eles querem ter o poder supremo.
E, ainda por cima, o não-uso das câmeras possibilita a corrupção. Ao contrário do que dizia Nelson Rodrigues, o videoteipe é genial.


torero@uol.com.br

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