São Paulo, sexta-feira, 15 de junho de 2007

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XICO SÁ

Apenas um jogo, mas como dói

Há dor na derrota, mas duro é ver a angústia de crianças. Não há cegonha ludopédica para imputarmos a inconveniência

AMIGO TORCEDOR , amigo secador, todos nós, marmanjos barbados, sofremos horrores nas grandes derrotas dos nossos times. O juiz apita, e desabamos, inconsoláveis, como se ouvíssemos, no último volume, "Meu mundo caiu", na voz trágica de Maysa. As mulheres jamais entenderão tal tristeza. Algumas, amadoras, tentam até nos despertar para o sexo, como se algum prazer fosse possível.
Todo homem diante de uma derrota acachapante do seu time vira um eunuco. Duvido de que o mais tarado gremista, mesmo na terra das Giseles, tenha conseguido encarar uma gazela, uma bela novilha, após o tríplice desgosto da Bombonera. Sofremos impiedosamente nas grandes derrotas, mas duro é testemunhar o sofrimento das crianças. Difícil explicar para elas. Não há cegonha ludopédica a quem possamos imputar a inconveniência.
De tão abatidos, não temos forças para amparar os meninos nesse momento. Como dizer que foi apenas mais um jogo, que acontece, que a vida é assim mesmo, se a ambulância do Incor quase foi acionada? O leitor Benilson Toniolo, torcedor do Santos, mandou-me uma mensagem comovente sobre o assunto. Na vitória do Peixe sobre o Grêmio, na semana passada, na Vila Belmiro, o seu filho Bruno, 8, derramou as suas primeiras lágrimas alvinegras. Mesmo com os heróicos três gols no imortal tricolor, seu time dançou a arrepiante milonga do adiós da Libertadores da América.
Benilson, que quase infartara durante a peleja, ficou sem saber o que fazer com o pequeno. Não é das situações mais fáceis para um pai. Sem ter o que falar, Benilson recorreu à poesia. Às pressas fez uma adaptação para o futebol do poema "Consolo na praia", de Carlos Drummond de Andrade. "O primeiro jogo passou./ O segundo jogo passou./ O terceiro jogo passou,/ Mas o coração continua", dizia num dos trechos, e assim por diante, sempre substituindo o amor pela partida.
O mais duro é quando o filho, descaminhado por algum tio ou amigo, não torce pelo mesmo time do pai. Imaginem a situação: um pai são-paulino com um filho corintiano ou vice-versa. O pai feliz com a vitória do seu time, mas diante de uma criança inconsolável, abatida, sem ânimo para devorar um brigadeiro. Duro explicar as tragédias futebolísticas para as crianças. Se o crescimento acompanha uma bela fase do seu time, tudo bem, é quase indolor.
Feliz de quem cresceu com o Santos de Pelé e Coutinho, o Náutico de Nado e Bita, o Santa de Nunes e Fumanchu, o Sport de Juninho Pernambucano, o Palmeiras dos tempos da Academia, o Flamengo de Zico e Júnior, o Cruzeiro de Tostão, o Galo de Dadá Maravilha, o São Paulo dos anos 90 ou do Rogério Ceni, o Bahia do toque sutil do Bobô, o Corinthians de Sócrates e Casagrande, a máquina do Flu, o Inter de Falcão, o Grêmio de Renato, PC Caju e Mário Sérgio, só para ficar em alguns times e seus momentos mágicos. [Você deve ter outro listão, favor me lembrar e citarei oportunamente.] Se bem que um garoto crescido na adversidade do time, nos grandes jejuns de títulos, normalmente se torna um grande homem, menos arrogante, mais generoso e que conhece desde cedo o gosto salgado das lágrimas, alvinegras ou coloridas.

xico.folha@uol.com.br


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