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XICO SÁ
Apenas um jogo, mas como dói
Há dor na derrota, mas duro é ver a angústia de crianças. Não há cegonha ludopédica para imputarmos a inconveniência
AMIGO TORCEDOR , amigo secador, todos nós, marmanjos
barbados, sofremos horrores
nas grandes derrotas dos nossos times. O juiz apita, e desabamos, inconsoláveis, como se ouvíssemos,
no último volume, "Meu mundo
caiu", na voz trágica de Maysa. As
mulheres jamais entenderão tal tristeza. Algumas, amadoras, tentam
até nos despertar para o sexo, como
se algum prazer fosse possível.
Todo homem diante de uma derrota acachapante do seu time vira
um eunuco. Duvido de que o mais
tarado gremista, mesmo na terra das
Giseles, tenha conseguido encarar
uma gazela, uma bela novilha, após o
tríplice desgosto da Bombonera.
Sofremos impiedosamente nas
grandes derrotas, mas duro é testemunhar o sofrimento das crianças.
Difícil explicar para elas. Não há cegonha ludopédica a quem possamos
imputar a inconveniência.
De tão abatidos, não temos forças
para amparar os meninos nesse momento. Como dizer que foi apenas
mais um jogo, que acontece, que a vida é assim mesmo, se a ambulância
do Incor quase foi acionada?
O leitor Benilson Toniolo, torcedor do Santos, mandou-me uma
mensagem comovente sobre o assunto. Na vitória do Peixe sobre o
Grêmio, na semana passada, na Vila
Belmiro, o seu filho Bruno, 8, derramou as suas primeiras lágrimas alvinegras. Mesmo com os heróicos três
gols no imortal tricolor, seu time
dançou a arrepiante milonga do
adiós da Libertadores da América.
Benilson, que quase infartara durante a peleja, ficou sem saber o que
fazer com o pequeno. Não é das situações mais fáceis para um pai.
Sem ter o que falar, Benilson recorreu à poesia. Às pressas fez uma
adaptação para o futebol do poema
"Consolo na praia", de Carlos
Drummond de Andrade. "O primeiro jogo passou./ O segundo jogo passou./ O terceiro jogo passou,/ Mas o
coração continua", dizia num dos
trechos, e assim por diante, sempre
substituindo o amor pela partida.
O mais duro é quando o filho, descaminhado por algum tio ou amigo,
não torce pelo mesmo time do pai.
Imaginem a situação: um pai são-paulino com um filho corintiano ou
vice-versa. O pai feliz com a vitória
do seu time, mas diante de uma
criança inconsolável, abatida, sem
ânimo para devorar um brigadeiro.
Duro explicar as tragédias futebolísticas para as crianças. Se o crescimento acompanha uma bela fase do
seu time, tudo bem, é quase indolor.
Feliz de quem cresceu com o Santos de Pelé e Coutinho, o Náutico de
Nado e Bita, o Santa de Nunes e Fumanchu, o Sport de Juninho Pernambucano, o Palmeiras dos tempos da Academia, o Flamengo de Zico e Júnior, o Cruzeiro de Tostão, o
Galo de Dadá Maravilha, o São Paulo
dos anos 90 ou do Rogério Ceni, o
Bahia do toque sutil do Bobô, o Corinthians de Sócrates e Casagrande,
a máquina do Flu, o Inter de Falcão,
o Grêmio de Renato, PC Caju e Mário Sérgio, só para ficar em alguns times e seus momentos mágicos. [Você deve ter outro listão, favor me
lembrar e citarei oportunamente.]
Se bem que um garoto crescido na
adversidade do time, nos grandes jejuns de títulos, normalmente se torna um grande homem, menos arrogante, mais generoso e que conhece
desde cedo o gosto salgado das lágrimas, alvinegras ou coloridas.
xico.folha@uol.com.br
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