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UM MUNDO QUE TORCE
Classe A
Em Douala, a cidade mais sofistica da de Camarões
e conhecida como "Sovaco da África", torcedores lamentam a derrota da seleção
FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A DOUALA
"Kawasaki passa para Suzuki que passa para Yamaha
que passa para Honda..."
No carro, três camaroneses davam risada. Faltavam
40 minutos para a estreia de
sua seleção contra o Japão, e
o esquete humorístico de
uma rádio de Douala fazia
troça com o time adversário.
Ironia, o autor do gol da vitória japonesa ontem, em
Bloemfontein, foi... Honda.
"Acho que ninguém que
tenha um Civic vai sair com o
carro pelas ruas hoje", brinca, depois da partida, o indiano Rahul Jain, que morou
por três anos no Brasil.
Jain era um dos ocupantes
do balcão do bar Le Boj, o
mais hype de Douala.
O que, em se tratando de
Douala -e de África-, não é
pouca coisa.
Na costa de Camarões, a cidade é conhecida por ser a
mais cara do continente e por
carregar o apelido de "Sovaco da África", referência à
sua posição geográfica.
Por motivos óbvios, prefere a primeira referência. E faz
questão de ostentar cada pedacinho de uma sofisticação
que pode não impressionar
quem vem de fora, mas que é
alta para os padrões locais.
Na quarta parada da série
"Um Mundo que Torce", a
Folha assistiu ontem a Camarões x Japão no Le Boj.
Um prato de salada, 8.500
francos, ou R$ 28. Uma pizza
pequena, R$ 25. A garrafa de
vinho francês Chateauneuf
du Pape, safra 2007, R$ 56.
"Aqui só vem a nata da sociedade. Só aqueles que podem pagar para comer bem e
beber bem", diz o gerente
Jean Jacques Abialina.
"Queríamos almoçar e ver
o jogo, então viemos para cá.
O Le Boj tem um ambiente refinado", conta Wisdom
Smith, dono de uma agência
de viagens, que assistiu à
partida ao lado de uma funcionária e de uma cliente.
"Iaundé é a capital administrativa de Camarões, mas
Douala tem o porto, que é um
dos principais pontos de escoamento de produtos de toda a África. Por isso circula
tanto dinheiro aqui", afirma.
Conforme o início do jogo
se aproxima, o lugar vai enchendo, e qualquer tentativa
de refinamento cede espaço
a uma torcida impaciente.
Quando o jogo começa, aí
sim a finura vai pro espaço.
No telão do bar, a seleção de
Camarões é envolvida pelos
japoneses. "Parece que eles
estão sem vontade", reclama
Delphine Itambi.
Aos 39min, gol de Honda.
O bar se desespera, grita,
xinga, pede mais garra aos
Leões Indomáveis. Principalmente, cobra mais disposição de Eto'o, o grande ídolo,
o nome nas costas de quase
todos os torcedores do país,
ontem. E um gol, claro.
O time melhora no segundo tempo. Aos 41min, M'bia
manda uma bola na trave
que faz um torcedor subir na
cadeira e xingar o técnico
Paul Le Guen. A indignação
era por conta da entrada tardia de Geremi no lugar de
Makoun, substituição que
deixou o time mais veloz.
O gol de Camarões não sai,
e o jogo termina. Hora de pedir a conta e pagar. Em dinheiro vivo. O bar mais chique de Douala não aceita cartões de nenhuma espécie.
Pelas ruas, torcedores cabisbaixos. "Se Camarões tivesse vencido este jogo, as
pessoas festejariam até de
madrugada, sairiam peladas
nas ruas. Agora, todo mundo
vai dormir cedo", diz Jean-Louis Tangono, um cabide
ambulante, vendedor de camisas, bandeiras, bonés.
Ontem, os produtos encalharam. "Mas não tem problema. Sei que vamos ganhar
os próximos dois."
Acompanhe a viagem desde o 1º dia
folha.com/es749428
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