São Paulo, terça-feira, 15 de junho de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

UM MUNDO QUE TORCE

Classe A

Em Douala, a cidade mais sofistica da de Camarões e conhecida como "Sovaco da África", torcedores lamentam a derrota da seleção

FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A DOUALA

"Kawasaki passa para Suzuki que passa para Yamaha que passa para Honda..."
No carro, três camaroneses davam risada. Faltavam 40 minutos para a estreia de sua seleção contra o Japão, e o esquete humorístico de uma rádio de Douala fazia troça com o time adversário.
Ironia, o autor do gol da vitória japonesa ontem, em Bloemfontein, foi... Honda.
"Acho que ninguém que tenha um Civic vai sair com o carro pelas ruas hoje", brinca, depois da partida, o indiano Rahul Jain, que morou por três anos no Brasil.
Jain era um dos ocupantes do balcão do bar Le Boj, o mais hype de Douala.
O que, em se tratando de Douala -e de África-, não é pouca coisa.
Na costa de Camarões, a cidade é conhecida por ser a mais cara do continente e por carregar o apelido de "Sovaco da África", referência à sua posição geográfica.
Por motivos óbvios, prefere a primeira referência. E faz questão de ostentar cada pedacinho de uma sofisticação que pode não impressionar quem vem de fora, mas que é alta para os padrões locais.
Na quarta parada da série "Um Mundo que Torce", a Folha assistiu ontem a Camarões x Japão no Le Boj.
Um prato de salada, 8.500 francos, ou R$ 28. Uma pizza pequena, R$ 25. A garrafa de vinho francês Chateauneuf du Pape, safra 2007, R$ 56.
"Aqui só vem a nata da sociedade. Só aqueles que podem pagar para comer bem e beber bem", diz o gerente Jean Jacques Abialina.
"Queríamos almoçar e ver o jogo, então viemos para cá.
O Le Boj tem um ambiente refinado", conta Wisdom Smith, dono de uma agência de viagens, que assistiu à partida ao lado de uma funcionária e de uma cliente.
"Iaundé é a capital administrativa de Camarões, mas Douala tem o porto, que é um dos principais pontos de escoamento de produtos de toda a África. Por isso circula tanto dinheiro aqui", afirma.
Conforme o início do jogo se aproxima, o lugar vai enchendo, e qualquer tentativa de refinamento cede espaço a uma torcida impaciente.
Quando o jogo começa, aí sim a finura vai pro espaço.
No telão do bar, a seleção de Camarões é envolvida pelos japoneses. "Parece que eles estão sem vontade", reclama Delphine Itambi.
Aos 39min, gol de Honda. O bar se desespera, grita, xinga, pede mais garra aos Leões Indomáveis. Principalmente, cobra mais disposição de Eto'o, o grande ídolo, o nome nas costas de quase todos os torcedores do país, ontem. E um gol, claro.
O time melhora no segundo tempo. Aos 41min, M'bia manda uma bola na trave que faz um torcedor subir na cadeira e xingar o técnico Paul Le Guen. A indignação era por conta da entrada tardia de Geremi no lugar de Makoun, substituição que deixou o time mais veloz.
O gol de Camarões não sai, e o jogo termina. Hora de pedir a conta e pagar. Em dinheiro vivo. O bar mais chique de Douala não aceita cartões de nenhuma espécie.
Pelas ruas, torcedores cabisbaixos. "Se Camarões tivesse vencido este jogo, as pessoas festejariam até de madrugada, sairiam peladas nas ruas. Agora, todo mundo vai dormir cedo", diz Jean-Louis Tangono, um cabide ambulante, vendedor de camisas, bandeiras, bonés.
Ontem, os produtos encalharam. "Mas não tem problema. Sei que vamos ganhar os próximos dois."

Acompanhe a viagem desde o 1º dia
folha.com/es749428


Texto Anterior: Jogar bem é o caminho para a taça, diz Villa
Próximo Texto: Doping gera indenização milionária
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.