São Paulo, terça-feira, 15 de setembro de 2009

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JOSÉ ROBERTO TORERO

O inimigo do Rei


Com a ajuda de Zé Cabala, converso com Roberto Dias, beque do São Paulo e um dos melhores marcadores de Pelé


QUANDO ENTREI no santuário de Zé Cabala, que fica no quartinho de empregada de 000000seu pequeno bangalô no Jardim Lambretta, vi que ele estava em profunda meditação.
O mestre dos mestres encontrava-se em posição de lótus, de olhos fechados, e de seus lábios brotava um vigoroso ronronar, que os leigos poderiam confundir com um ronco, mas que Zé Cabala já me havia explicado tratar-se de um complexo mantra tibetano.
"Você poderia interromper o transe do mestre?", pedi a Gulliver, seu assistente anão.
"Será um prazer", ele disse. "Vou usar o método Fi-Iu."
"É um método chinês?", indaguei.
"Está mais para o italiano", ele respondeu. Depois, colocou o indicador e o polegar na boca e soltou um tremendo assovio que fez o mestre ter um pequeno espasmo. Aproveitei que ele abrira os olhos e disse: "Oh, grande sábio, poderíeis me ajudar a falar com um espírito?".
"Trouxeste a oferenda?"
Mostrei-lhe duas notas de R$ 50 e ele disse: "Vamos lá!".
Zé Cabala deu três voltas para a direita, sete para a esquerda, estendeu-me a mão e disse: "Bons dias, sou eu, o Dias".
"Roberto Dias, o grande zagueiro do São Paulo?"
"O próprio."
"Poxa, que honra! O Pelé disse que o senhor foi um dos melhores zagueiros que já o marcaram."
"Eu e o Negão tivemos grandes duelos. Acho que eu me saía bem contra ele porque era rápido."
"Lembra de algum jogo especial?"
"Houve um 3 a 3 na Vila Belmiro.
Fiz dois gols, um de falta e outro de pênalti. E o Pelé não fez nenhum. Sai do campo pisando em nuvens."
"Dizem que o senhor foi o grande craque tricolor dos anos 60, mas nunca foi campeão porque o clube construía o Morumbi na época."
"É verdade, não tínhamos como formar grandes times naquele tempo. Mas valeu a pena. E acabei sendo campeão paulista em 1970. Era um timaço. Tinha Pedro Rocha, Gérson, Toninho Guerreiro e Paraná."
"Foi quando o senhor teve um problema cardíaco?"
"Pois é. Na época, disseram que era bronquite, torcicolo, que uma bolada no pescoço afetou uma coronária, uma monte de coisas... Mas a verdade é que tive um pequeno enfarte jogando contra o Santos. Fiquei dois anos parado. Só voltei a jogar quando meu coração criou duas veias alternativas."
"O senhor era bom na cobrança de faltas, não era?"
"Era. E de vez em quando avançava para o ataque. Pelo São Paulo, fiz 76 gols em 523 partidas. Um número bem razoável para quem jogou como zagueiro e volante."
"Qual é seu gol preferido?"
"Um contra o Fluminense, joguei de volante. Recebi um passe nas minhas costas, toquei de calcanhar para dar um chapéu no zagueiro e, sem deixar a bola cair, mandei o chute."
"O senhor ganhou muito dinheiro com o futebol?"
"Não mesmo. No meu tempo, o bicho por uma vitória sobre o Corinthians só dava para sair e comer uma pizza. Hoje dá para dar entrada num carro. Mas não me arrependo. Sempre fui e sempre serei são-paulino. Existe alegria maior do que jogar no clube do seu coração?"

torero@uol.com.br

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