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BASQUETE
Pulso firme
MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE
"O garoto magrinho e careca entrou no vestiário e
logo avisou que não pretendia jogar em Villanova. Provavelmente, disse, nem iria para a universidade. Pularia direto para a NBA.
"Eu e um colega de time achamos engraçado. Quem ele pensa
que é? O que anda fumando?
"O garoto era Kobe Bryant e hoje me pergunto do que ríamos.
"Talvez do fato de que em poucos meses as partidas do moleque
no colégio venderiam mais ingressos do que as nossas. Ou de
que ele apareceria nas nossas festas no campus e as pessoas pensariam que ele era o anfitrião. Ou
de que, em 1999, três anos mais
tarde, quando eu descolei um emprego, o vestiário seria o dele.
"Eu já acompanhava Kobe e os
Lakers pela TV. Mas apenas de
perto entendi por que ele era tão
seguro de si. Ele se exercitava
muito mais do que os outros.
"Eu sempre fiz questão de ser o
primeiro a chegar ao trabalho.
Mas Kobe sempre dava um jeito
de me superar. Eu morava a dez
minutos do ginásio. Ele, a 45.
"Um dia, naquela pré-temporada, ele quebrou o punho direito. A
quadra, imaginei, ficaria só para
mim. Mas, para minha vergonha,
na manhã seguinte lá estava ele
no ginásio -um braço engessado, o outro com a bola.
"Enquanto o time se ajustava
para a estréia, percebi que Kobe
seguia uma rotina peculiar. Ele
driblava, fintava, passava e chutava com a canhota. Parecia obcecado em reaprender tudo o que
fazia com a mão direita.
"Certa manhã, ele me chamou
para um duelo de arremessos.
"Fiquei insultado. Ele acreditava que podia derrotar a mim, um
especialista em tiros de longa distância, e sem uma mão! A mão
boa! Topei. Seria um prazer fazê-lo engolir a mania de grandeza.
"Por pouco escapei do maior vexame de minha carreira. Foi só
por uma cesta que eu o venci.
"Mas o melhor veio quando ele
sarou e voltou a jogar. Logo em
seu primeiro lance, ele driblou e
chutou com a mão esquerda. O
arremesso nem aro deu. Mas isso
não importava. Diante de milhares de pessoas e das câmeras de
TV, ele quis provar que também
podia brilhar com a canhota."
John Celestand, cigano do basquete, foi muito feliz quando blogou esse depoimento no dia 10.
Em 2004, Kobe perdeu a companhia de Shaquille O'Neal, desafeto fora das quadras mas parceiro ideal dentro delas. O estímulo
de Phil Jackson, único técnico que
conseguia intrigá-lo. Os patrocinadores, arredios ao vê-lo no
banco dos réus, defendendo-se da
acusação (mais tarde retirada) de
estupro. A admiração dos fãs.
Hoje está claro que o ano passado viu um jogador de um braço
só, aleijado, que encarou o torneio como um treino especial, um
laboratório para testar seu arsenal enquanto o gesso agia.
Shaq, assentado na Flórida, parou de amolar. Jackson voltou. A
Nike recuou. E Kobe mostra agora o resultado do ano de solidão.
Está mais confiante e espetacular do que nunca. Disparou como
cestinha, com 31,8 pontos por jogo, 50% acima de sua média. Refez-se da fratura, mas não descerrou os punhos. Procura queixos.
Os do basquete estão caídos.
Pegada
Poucos dias antes da estréia, Alex (New Orleans) e Lucas Tischer
(Phoenix) foram dispensados. Nenê (Denver) arrebentou o joelho
dois minutos depois de pisar na quadra, uma contusão que vai lhe
custar um ano e, provavelmente, mais de US$ 30 milhões no próximo contrato. Anderson Varejão ainda se recupera da cirurgia no
ombro e só deve retornar ao Cleveland em fevereiro. O valente Baby,
figurante no Toronto, virou alvo das frustrações da torcida -é vaiado toda vez que pega na bola. Mas Leandrinho tem compensado todos os infortúnios da comunidade brasileira. O Phoenix finalmente
descobriu a vocação dele para o contra-ataque e o chute rápido. Com
médias de 15,3 pontos por jogo (o dobro dos primeiros anos) e de
0,63 ponto por minuto (a 14ª mais alta do torneio), o armador é uma
das grandes revelações do primeiro mês de NBA.
E-mail: melk@uol.com.br
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