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XICO SÁ
A maldição dos imbatíveis
Quanto mais o São Paulo estende a série invicta, mais amplia o coro da tragédia anunciada dos secadores
A
MIGO TORCEDOR , amigo secador, o maior peso que um time pode carregar sobre as
costas é o da cruz da invencibilidade
longeva, como a que o São Paulo ostenta, com todos os méritos, confesso, até com inevitável casquinha de
ferida da boa inveja ludopédica.
A invencibilidade, quando se estica em demasiado, porém, já embute
o elástico da tragédia. De repente,
crash, plac, tora, soçobra na curva
naquele jogo mais decisivo. É o pior
dos castigos, embora seja amostrado
pelos tricolores no momento como
um galhardão, orgulho dos orgulhos.
Em torneio de pontos corridos,
tudo bem, segue a vida, mas, em certame cujo ringue é o mata-mata... é
um deus-nos-acuda. A invencibilidade vira o doping, o feitiço, a testosterona do inimigo. Ou, como dizia o
cantor Evaldo Braga: "Sinto a cruz
que carrego bastante pesada...".
Não fosse o pecado de shorts e lindas pernas cometido no San-São...
Sim, o pecado de uma mulher é sempre mais barulhento, moral bíblica,
desde que Eva mordeu gostoso a infame maçã argentina. Mas, se não
fosse aquele erro, automaticamente
perdoado pelo cafa Luxa -se fosse
um marmanjo, estaria bravo até hoje-, o Sampa talvez tivesse subido a
serra chorando a neblina que embaça a vista como o amor do Rei Roberto nas curvas da mesma estrada.
A nova musa involuntária do Morumbi merece anistia, uma morena
que não faz chapinha ou escova progressiva, merece devoção. O resto é
silêncio debaixo dos caracóis dos
seus cabelos. Todo respeito.
Ainda bem, caríssimo PVC, que o
peso da cruz dos invictos segue sobre as costas tricolores. São 28 jogos
oficiais, ainda a mil léguas submarinas dos 52 de Flamengo e Botafogo,
mas já é um feito, quase um épico
em busca de um desastre possível.
Tomara que não seja ainda amanhã, contra a Ponte Preta, tomara
que o elástico da soberba estique
mais, não quero meu amigo sorocabano Antonio Carlos triste nos embalos de sábado. O cara é um daqueles hedonistas que compra o pacote
completo da excursão do bonde chamado desejo. Jogo do tricolor, Ibotirama, show punk-brega de Wander
Wildner no Inferno, rolê na Augusta, sinuca do Bahia, aurora dançante
no "after hours" da Boca do Lixo!
O Sampa está longe até da sua
marca de 1975, 47 pelejas sem chorar as pitangas. A obsessão por qualquer recorde -vide carta de Corinthos, Santos, Palmeiras e demais secadores- é escravidão espartana
que não vale a pena na vida, no futebol, no amor, no sexo, em tudo. Pelo
direito sagrado de brochar e fazer
bonito no conjunto da obra.
Se eu fosse Muricy Ramalho, não
perdia descaradamente, mas relaxava diante de um Barueri, de um retardatário, sob pena de naufragar
sob o grito de "está chegando a hora", seja no Morumbi, seja no Cunhão, o Ademir Cunha, estádio do
Paulista, na região metropolitana do
Recife, onde talvez o Santos, o mais
prejudicado desde que inventaram a
bola, seja obrigado a jogar.
O corvo Edgar fez até um haicai de
advertência: "A vida não é filme caubói/ o mocinho sempre perde/
quando a bala mais lhe dói!". Como
na fita do velho Clint Eastwood, os
céus anunciam os abutres famintos
da desgraça. Que subam os créditos!
The end
Tragédia brasileira assim narrada, como num livro de Sérgio Sant'Anna, pelo repórter Italo Nogueira, da Sucursal do Rio da Folha, na
última quarta: "O funcionário público Fernando Paulino, 42, via o
sonho de Thiago, 18, desaparecer
aos poucos enquanto acelerava seu
carro pelas ruas de Bangu para levar o filho, baleado no tórax e abdome, para o hospital Albert
Schweitzer. "Será que eu ainda vou
jogar no Madureira, pai?", disse
Thiago no banco de trás."
Um minuto de silêncio.
xico.folha@uol.com.br
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