São Paulo, sexta-feira, 16 de março de 2007

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XICO SÁ

A maldição dos imbatíveis

Quanto mais o São Paulo estende a série invicta, mais amplia o coro da tragédia anunciada dos secadores

A MIGO TORCEDOR , amigo secador, o maior peso que um time pode carregar sobre as costas é o da cruz da invencibilidade longeva, como a que o São Paulo ostenta, com todos os méritos, confesso, até com inevitável casquinha de ferida da boa inveja ludopédica.
A invencibilidade, quando se estica em demasiado, porém, já embute o elástico da tragédia. De repente, crash, plac, tora, soçobra na curva naquele jogo mais decisivo. É o pior dos castigos, embora seja amostrado pelos tricolores no momento como um galhardão, orgulho dos orgulhos.
Em torneio de pontos corridos, tudo bem, segue a vida, mas, em certame cujo ringue é o mata-mata... é um deus-nos-acuda. A invencibilidade vira o doping, o feitiço, a testosterona do inimigo. Ou, como dizia o cantor Evaldo Braga: "Sinto a cruz que carrego bastante pesada...". Não fosse o pecado de shorts e lindas pernas cometido no San-São... Sim, o pecado de uma mulher é sempre mais barulhento, moral bíblica, desde que Eva mordeu gostoso a infame maçã argentina. Mas, se não fosse aquele erro, automaticamente perdoado pelo cafa Luxa -se fosse um marmanjo, estaria bravo até hoje-, o Sampa talvez tivesse subido a serra chorando a neblina que embaça a vista como o amor do Rei Roberto nas curvas da mesma estrada. A nova musa involuntária do Morumbi merece anistia, uma morena que não faz chapinha ou escova progressiva, merece devoção. O resto é silêncio debaixo dos caracóis dos seus cabelos. Todo respeito.
Ainda bem, caríssimo PVC, que o peso da cruz dos invictos segue sobre as costas tricolores. São 28 jogos oficiais, ainda a mil léguas submarinas dos 52 de Flamengo e Botafogo, mas já é um feito, quase um épico em busca de um desastre possível. Tomara que não seja ainda amanhã, contra a Ponte Preta, tomara que o elástico da soberba estique mais, não quero meu amigo sorocabano Antonio Carlos triste nos embalos de sábado. O cara é um daqueles hedonistas que compra o pacote completo da excursão do bonde chamado desejo. Jogo do tricolor, Ibotirama, show punk-brega de Wander Wildner no Inferno, rolê na Augusta, sinuca do Bahia, aurora dançante no "after hours" da Boca do Lixo!
O Sampa está longe até da sua marca de 1975, 47 pelejas sem chorar as pitangas. A obsessão por qualquer recorde -vide carta de Corinthos, Santos, Palmeiras e demais secadores- é escravidão espartana que não vale a pena na vida, no futebol, no amor, no sexo, em tudo. Pelo direito sagrado de brochar e fazer bonito no conjunto da obra. Se eu fosse Muricy Ramalho, não perdia descaradamente, mas relaxava diante de um Barueri, de um retardatário, sob pena de naufragar sob o grito de "está chegando a hora", seja no Morumbi, seja no Cunhão, o Ademir Cunha, estádio do Paulista, na região metropolitana do Recife, onde talvez o Santos, o mais prejudicado desde que inventaram a bola, seja obrigado a jogar.
O corvo Edgar fez até um haicai de advertência: "A vida não é filme caubói/ o mocinho sempre perde/ quando a bala mais lhe dói!". Como na fita do velho Clint Eastwood, os céus anunciam os abutres famintos da desgraça. Que subam os créditos!

The end
Tragédia brasileira assim narrada, como num livro de Sérgio Sant'Anna, pelo repórter Italo Nogueira, da Sucursal do Rio da Folha, na última quarta: "O funcionário público Fernando Paulino, 42, via o sonho de Thiago, 18, desaparecer aos poucos enquanto acelerava seu carro pelas ruas de Bangu para levar o filho, baleado no tórax e abdome, para o hospital Albert Schweitzer. "Será que eu ainda vou jogar no Madureira, pai?", disse Thiago no banco de trás." Um minuto de silêncio.

xico.folha@uol.com.br


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