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POLÍTICA
Livro relata casos de atletas assassinados durante a ditadura argentina, que atingiu atletismo, futebol, rúgbi e tênis
Argentina descobre 26 mortos do esporte
ADALBERTO LEISTER FILHO
DA REPORTAGEM LOCAL
No dia 31 de dezembro de 1977,
o argentino Miguel Sánchez dis
putou sua terceira São Silvestre e
passou o Réveillon em São Paulo.
Oito dias depois, foi apanhado
em sua casa, em Berazategui (Pro
víncia de Buenos Aires), por for
ças da repressão da ditadura ar
gentina. Nunca mais foi visto.
Sánchez aliava sua militância
política de esquerda com os trei
nos dirigidos por Oscar Suárez,
tricampeão da prova de rua brasi
leira (1958, 1959 e 1960).
Em sua memória, a cidade de
Roma organiza a Corrida do Mi
guel desde 2000. No ano seguinte,
Buenos Aires também passou a
fazer prova com seu nome.
"Há uns oito anos, acreditava-se
que Miguel era o único atleta de
saparecido na ditadura argentina.
Mas, a partir de investigações mi
nhas e de alguns colegas, desco
brimos que esse número era bem
maior", afirmou à Folha Gustavo
Veiga, autor de "Esporte, Desapa
recidos e Ditadura", livro lançado
no mês passado na Argentina.
A obra lista 26 atletas mortos ou
desaparecidos no período autori
tário. O rúgbi foi o esporte mais
atingido, com 23 assassinatos.
"Após o lançamento, novos casos
surgiram", comenta Veiga.
Esporte mais popular na Argen
tina, o futebol teve apenas um ca
so. Carlos Rivada, ponta do Hura
cán de Tres Arroyos, foi apanha
do em 3 de fevereiro de 1977. Na
véspera, defendera sua equipe
contra o Estación Quequén. Ti
nha 27 anos e dois filhos, Diego, 5,
e Josefina, de cinco meses.
Há desaparecimentos mesmo
antes de a junta militar, formada
por Rafael Videla (Exército), Emí
lio Massera (Marinha) e Orlando
Agosti (Aeronáutica), tomar o
poder no dia 24 de março de 1976,
fechando o Congresso e destituin
do a presidenta Isabelita Perón.
O país passava por convulsão,
com tensões sociais acirradas e
disputas de poder. Alguns adota
vam ações armadas, como a
Aliança Anticomunista Argenti
na, a Triple A, que teria inclusive
participação de oficiais da Esma
(Escola de Mecânica Armada).
Foi um grupo paramilitar que
seqüestrou, em abril de 1975, Her
nán Roca, jogador de rúgbi do La
Plata. Roca, que não tinha mili
tância política, foi confundido
com o irmão, Marcelo, membro
dos Montoneros, agrupamento
de esquerda. Acabou morto em
La Balandra, ao sul de La Plata.
"Aquilo foi como uma bomba.
O Hernán era jogador, que um dia
estava conosco e no outro foi as
sassinado", lembra Raúl Baran
darian, membro daquela equipe.
O elenco do La Plata havia aca
bado de regressar de excursão à
Europa e estrearia, na semana se
guinte, no torneio local. "O clube
nos deu a liberdade de adiar a par
tida com o Champagnat. Mas de
cidimos jogar, em memória de
Hernán, e o um minuto de silên
cio durou dez", rememora ele.
O time venceu, mesmo com
dois atletas a menos, que saíram
por causa de contusões Äum de
les fraturou a tíbia e a fíbula.
A morte de Roca era o prenún
cio dos tempos sombrios que vi
riam. Até mesmo o craque daque
la equipe, Santiago Sánchez Via
monte, teve destino trágico.
Apelidado de "El Chueco", Via
monte era militante do Partido
Comunista Marxista-Leninista e
foi seqüestrado em 24 de outubro
de 1977. Está na lista de desapare
cidos. "Até hoje, quando aparece
um garoto com perfil de craque,
as pessoas dizem que joga tão
bem quanto El Chueco. O parâ
metro é ele. Jogava em qualquer
posição", diz Diego, quarto dos
seis irmãos da família Viamonte.
No mesmo dia, outros dois atle
tas do time foram detidos: Otilio
Pascua e Pablo Balut. O corpo de
Pascua apareceu, crivado de ba
las, boiando no rio Luján, pouco
tempo depois, Tinha as mãos ata
das e um peso nos pés. Balut, por
sua vez, não foi mais encontrado.
O tênis também teve o seu mártir: Daniel Schapira. Ele figurou
entre os dez melhores do país e
chegou a enfrentar Guillermo Vi
las, futuro bicampeão do Aberto
da Austrália (1978 e 1979). Além
de jogar, Schapira estudava direi
to e era militante político. Foi pe
go em 7 de abril de 1977. Não co
nheceu o filho, nascido após seu
sumiço. Em sua homenagem, a
Argentina instituiu o 18 de outu
bro, data de seu nascimento, como o dia do professor de tênis.
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