São Paulo, domingo, 16 de abril de 2006

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POLÍTICA

Livro relata casos de atletas assassinados durante a ditadura argentina, que atingiu atletismo, futebol, rúgbi e tênis

Argentina descobre 26 mortos do esporte

ADALBERTO LEISTER FILHO
DA REPORTAGEM LOCAL

No dia 31 de dezembro de 1977, o argentino Miguel Sánchez dis putou sua terceira São Silvestre e passou o Réveillon em São Paulo.
Oito dias depois, foi apanhado em sua casa, em Berazategui (Pro víncia de Buenos Aires), por for ças da repressão da ditadura ar gentina. Nunca mais foi visto.
Sánchez aliava sua militância política de esquerda com os trei nos dirigidos por Oscar Suárez, tricampeão da prova de rua brasi leira (1958, 1959 e 1960).
Em sua memória, a cidade de Roma organiza a Corrida do Mi guel desde 2000. No ano seguinte, Buenos Aires também passou a fazer prova com seu nome.
"Há uns oito anos, acreditava-se que Miguel era o único atleta de saparecido na ditadura argentina. Mas, a partir de investigações mi nhas e de alguns colegas, desco brimos que esse número era bem maior", afirmou à Folha Gustavo Veiga, autor de "Esporte, Desapa recidos e Ditadura", livro lançado no mês passado na Argentina.
A obra lista 26 atletas mortos ou desaparecidos no período autori tário. O rúgbi foi o esporte mais atingido, com 23 assassinatos. "Após o lançamento, novos casos surgiram", comenta Veiga.
Esporte mais popular na Argen tina, o futebol teve apenas um ca so. Carlos Rivada, ponta do Hura cán de Tres Arroyos, foi apanha do em 3 de fevereiro de 1977. Na véspera, defendera sua equipe contra o Estación Quequén. Ti nha 27 anos e dois filhos, Diego, 5, e Josefina, de cinco meses.
Há desaparecimentos mesmo antes de a junta militar, formada por Rafael Videla (Exército), Emí lio Massera (Marinha) e Orlando Agosti (Aeronáutica), tomar o poder no dia 24 de março de 1976, fechando o Congresso e destituin do a presidenta Isabelita Perón.
O país passava por convulsão, com tensões sociais acirradas e disputas de poder. Alguns adota vam ações armadas, como a Aliança Anticomunista Argenti na, a Triple A, que teria inclusive participação de oficiais da Esma (Escola de Mecânica Armada).
Foi um grupo paramilitar que seqüestrou, em abril de 1975, Her nán Roca, jogador de rúgbi do La Plata. Roca, que não tinha mili tância política, foi confundido com o irmão, Marcelo, membro dos Montoneros, agrupamento de esquerda. Acabou morto em La Balandra, ao sul de La Plata.
"Aquilo foi como uma bomba. O Hernán era jogador, que um dia estava conosco e no outro foi as sassinado", lembra Raúl Baran darian, membro daquela equipe.
O elenco do La Plata havia aca bado de regressar de excursão à Europa e estrearia, na semana se guinte, no torneio local. "O clube nos deu a liberdade de adiar a par tida com o Champagnat. Mas de cidimos jogar, em memória de Hernán, e o um minuto de silên cio durou dez", rememora ele.
O time venceu, mesmo com dois atletas a menos, que saíram por causa de contusões Äum de les fraturou a tíbia e a fíbula.
A morte de Roca era o prenún cio dos tempos sombrios que vi riam. Até mesmo o craque daque la equipe, Santiago Sánchez Via monte, teve destino trágico.
Apelidado de "El Chueco", Via monte era militante do Partido Comunista Marxista-Leninista e foi seqüestrado em 24 de outubro de 1977. Está na lista de desapare cidos. "Até hoje, quando aparece um garoto com perfil de craque, as pessoas dizem que joga tão bem quanto El Chueco. O parâ metro é ele. Jogava em qualquer posição", diz Diego, quarto dos seis irmãos da família Viamonte.
No mesmo dia, outros dois atle tas do time foram detidos: Otilio Pascua e Pablo Balut. O corpo de Pascua apareceu, crivado de ba las, boiando no rio Luján, pouco tempo depois, Tinha as mãos ata das e um peso nos pés. Balut, por sua vez, não foi mais encontrado.
O tênis também teve o seu mártir: Daniel Schapira. Ele figurou entre os dez melhores do país e chegou a enfrentar Guillermo Vi las, futuro bicampeão do Aberto da Austrália (1978 e 1979). Além de jogar, Schapira estudava direi to e era militante político. Foi pe go em 7 de abril de 1977. Não co nheceu o filho, nascido após seu sumiço. Em sua homenagem, a Argentina instituiu o 18 de outu bro, data de seu nascimento, como o dia do professor de tênis.


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