São Paulo, domingo, 16 de abril de 2006

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Mão dupla

Empresário faz sucesso entre ingleses ao tentar ensinar o futebol brasileiro a seus conterrâneos

GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL

A trajetória meteórica nasceu com dribles, descontração, jogadas individuais e criatividade. Uma mistura bem brasileira.
Só que Simon Clifford não precisou nascer no Brasil, falar português ou disputar jogos de futebol para erguer seu império.
Empresário, inglês, 35 anos, ele é o dono de um empreendimento que não pára de crescer graças ao prestígio do país pentacampeão.
Dez anos atrás, enfastiado pelo modo como seus conterrâneos tratam a bola, decidiu buscar uma forma mais descontraída de ensinar o esporte. Em Leeds (a 318 km de Londres), nasceu a primeira "Brazilian Soccer School".
"Ninguém joga como os brasileiros. Então, era preciso criar uma forma de aprender a jogar como eles", explica à Folha.
A idéia prosperou como poucas. Clifford é dono hoje de 450 escolas pelo Reino Unido. Mais: por meio de franquias, o negócio se expandiu para oito países.
No total, 600 unidades atraem hoje 500 mil alunos que buscam adquirir por meio de treinos a ginga mais famosa do futebol.
Clifford jura que tudo nasceu por acaso. Professor de educação física, ele é entusiasta do Middlesbrough, da primeira divisão inglesa. Na década de 90, adorava ver o hoje palmeirense Juninho entortar zagueiros na Inglaterra.
Após uma partida em 1996, bateu na porta da casa do meia, declarou-se fã e engatou uma conversa. Descobriu que ele e outros brasileiros haviam começado a carreira no futsal e conta que teve teve o estalo.
"Aprendi com o Juninho que, pela bola ser menor e mais pesada, exige mais precisão do atleta. Não tive dúvida. Mandei trazer 30 para cá e abri a primeira escola."
Oswaldo Giroldo, pai e empresário de Juninho, recorda-se dos encontros. "Muita gente batia na nossa porta, mas lembro que ele queria saber muito sobre o futebol brasileiro. Nós ensinamos."
Em 1997, Clifford fez um empréstimo, viajou para o Brasil e lapidou seus métodos. Ao ensino com bolas de futsal, adicionou música ambiente. Enquanto treinavam, os alunos ouviam sambas que ele havia gravado durante a estada em São Paulo.
"Fiz essa opção pelo ritmo contagiante. Percebi que os alunos se sentiam mais soltos, mais livres para ousar no treino", recorda.
Ousadia, aliás, é palavra de ordem. Clifford colocou no papel mais de 200 tipos de dribles que os garotos têm de executar. Para ilustrá-los, usou nome de jogadores da seleção. Há desde o famoso "Rivelino's elastic" até movimentos que imitam Ronaldo, Ronaldinho e Adriano. "Vocês podem achar absurdo um inglês ensinar futebol brasileiro. Mas meu método é muito sério. Sou apaixonado pelo Brasil, fã da seleção de 1982, do jogo bonito", explica.
O uso que faz da escola brasileira tem pontos polêmicos. Em alguns sites da "Brazilian Soccer Schools", por exemplo, a Folha encontrou fotos de Ronaldo, Ronaldinho e Adriano usadas para atrair alunos. Clifford não paga direito de imagem aos astros.
"Vou mandar corrigir. Está errado. São muitas unidades, não dá para ter controle", diz.
O inglês, aliás, jura que o próspero negócio não fez dele um homem rico. Fala que muitos alunos carentes ficam livres das mensalidade e que tudo o que ganha é revertido para as escolas.
Difícil acreditar, dado o apelo publicitário que o projeto conseguiu. Uma fabricante de brinquedos deu US$ 2 milhões ao programa para colocar o logo nas camisas dos garotos -que, não por acaso, são amarelas.
Astros como Michael Owen já fizeram aulas com Clifford e rasgaram elogios ao programa. Neste ano, Micah Richards, do Manchester City, marcou um gol na Copa da Inglaterra e se tornou o primeiro atleta formado em uma "Brazilian Soccer School" a balançar as redes na competição.
E ainda há mais na manga. Com a chegada da Copa, Clifford pode ganhar mais espaço no mercado.
"Não posso querer que uma seleção como a inglesa vença o Mundial. É um time que não empolga, não dribla, não vai ajudar a desenvolver o futebol bem jogado. Por isso quero ver o Brasil campeão. Mas você vai achar que só vou torcer pelo seu país por causa do meu negócio, não é?"


Colaborou Paulo Galdieri, da Reportagem Local

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