São Paulo, quinta, 16 de abril de 1998

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Drible concentra poesia e mistério do futebol

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas Não pensei que o tema dos dribladores canhotos fosse gerar tanta discussão. Até os colegas Alberto Helena Jr. e Juca Kfouri entraram em campo para discutir se Luizinho, o Pequeno Polegar, era destro ou canhoto.
Confesso que nem citei Luizinho por não saber se ele driblava com a direita ou com a esquerda. Afinal, nunca tive o prazer de vê-lo jogar.
Fico contente, de todo modo, de ver que a questão suscitou, indiretamente, uma bela aula de Alberto Helena Jr. sobre a criação do esquema 4-3-3.
Também os leitores entraram na dança. Vários me escreveram citando dribladores destros, além de Garrincha: Julinho Botelho, Zico, Platini, Dener, Pelé, Edilson, Maurinho (do São Paulo, nos anos 50). Outros reforçaram minha galeria de canhotos, com Leonardo, Zé Sérgio e Luizinho.
Puxando pela memória, lembrei-me dos destros Jairzinho, Zequinha, Cafuringa, Dorval e Paulo Borges, e dos canhotos Mário Sérgio, Neto, Paulo César Caju, Souza e Zé Roberto (do Flamengo).
Claro que, entre esses nomes, nem todos são dribladores típicos, o que leva a questão a outro patamar. Não se trata de um levantamento estatístico para saber se há mais dribladores destros ou canhotos nem tampouco de decidir se estes são melhores ou piores do que aqueles.
A pergunta, para mim, é a seguinte: por que, entre os jogadores cuja principal característica é o drible, destacam-se os canhotos (com a óbvia exceção de Garrincha e, acrescento, Julinho Botelho)?
Há uma diferença entre saber driblar e ser um driblador. Por exemplo: Tostão (que, aliás, era ambidestro) sabia, obviamente, driblar e o fazia muito bem. Mas, segundo suas próprias palavras, pensava sempre primeiro no passe ou no arremate. O drible, para ele, era uma espécie de último recurso, quando a jogada mais simples era impossível.
Já Edu, do Santos e da seleção brasileira de 66, 70 e 74, tinha a volúpia do drible. Não que seu futebol não fosse objetivo. Pelo contrário: fazia muitos gols e servia outros tantos a Pelé e companhia.
Mas, quando a bola chegava aos pés daquele negro baixinho, sorridente e bamboleante, a torcida já se levantava sabendo que iria ver os dribles mais espetaculares da era pós-Garrincha.
Com sua alegria e sensualidade, o estilo de Edu era a quintessência do drible.
Ele ficava "penteando" a bola para a esquerda e para a direita, oferecendo-a ao adversário, seduzindo-o, hipnotizando-o com seu meneio de cobra. Quando o marcador, como numa miragem, já via a bola ao alcance dos pés, Edu dava o bote, jogando-a no contrapé da vítima, que não raro caía sentada ou chutava o ar, com a perplexidade de quem acorda abruptamente de um sonho.
Por sua carga de drama e comédia concentrados, por seu caráter de duelo pessoal, o drible é um espetáculo à parte, é a nossa tourada sem sangue.
Bani-lo do futebol, como se fosse um ornamento supérfluo e improdutivo, equivaleria a roubar do jogo grande parte de sua poesia e de seu mistério.

E-mail: jgcouto@uol.com.br


José Geraldo Couto escreve às quintas


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