|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Drible concentra poesia e mistério do futebol
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
Não pensei que o tema dos
dribladores canhotos fosse gerar tanta discussão. Até os colegas Alberto Helena Jr. e Juca
Kfouri entraram em campo
para discutir se Luizinho, o
Pequeno Polegar, era destro ou
canhoto.
Confesso que nem citei Luizinho por não saber se ele driblava com a direita ou com a
esquerda. Afinal, nunca tive o
prazer de vê-lo jogar.
Fico contente, de todo modo,
de ver que a questão suscitou,
indiretamente, uma bela aula
de Alberto Helena Jr. sobre a
criação do esquema 4-3-3.
Também os leitores entraram na dança. Vários me escreveram citando dribladores
destros, além de Garrincha: Julinho Botelho, Zico, Platini,
Dener, Pelé, Edilson, Maurinho (do São Paulo, nos anos
50). Outros reforçaram minha
galeria de canhotos, com Leonardo, Zé Sérgio e Luizinho.
Puxando pela memória, lembrei-me dos destros Jairzinho,
Zequinha, Cafuringa, Dorval e
Paulo Borges, e dos canhotos
Mário Sérgio, Neto, Paulo César Caju, Souza e Zé Roberto
(do Flamengo).
Claro que, entre esses nomes,
nem todos são dribladores típicos, o que leva a questão a
outro patamar. Não se trata de
um levantamento estatístico
para saber se há mais dribladores destros ou canhotos nem
tampouco de decidir se estes
são melhores ou piores do que
aqueles.
A pergunta, para mim, é a
seguinte: por que, entre os jogadores cuja principal característica é o drible, destacam-se
os canhotos (com a óbvia exceção de Garrincha e, acrescento, Julinho Botelho)?
Há uma diferença entre saber driblar e ser um driblador.
Por exemplo: Tostão (que,
aliás, era ambidestro) sabia,
obviamente, driblar e o fazia
muito bem. Mas, segundo suas
próprias palavras, pensava
sempre primeiro no passe ou
no arremate. O drible, para
ele, era uma espécie de último
recurso, quando a jogada mais
simples era impossível.
Já Edu, do Santos e da seleção brasileira de 66, 70 e 74,
tinha a volúpia do drible. Não
que seu futebol não fosse objetivo. Pelo contrário: fazia muitos gols e servia outros tantos a
Pelé e companhia.
Mas, quando a bola chegava
aos pés daquele negro baixinho, sorridente e bamboleante, a torcida já se levantava sabendo que iria ver os dribles
mais espetaculares da era
pós-Garrincha.
Com sua alegria e sensualidade, o estilo de Edu era a
quintessência do drible.
Ele ficava "penteando" a bola para a esquerda e para a direita, oferecendo-a ao adversário, seduzindo-o, hipnotizando-o com seu meneio de
cobra. Quando o marcador,
como numa miragem, já via a
bola ao alcance dos pés, Edu
dava o bote, jogando-a no contrapé da vítima, que não raro
caía sentada ou chutava o ar,
com a perplexidade de quem
acorda abruptamente de um
sonho.
Por sua carga de drama e comédia concentrados, por seu
caráter de duelo pessoal, o drible é um espetáculo à parte, é a
nossa tourada sem sangue.
Bani-lo do futebol, como se
fosse um ornamento supérfluo
e improdutivo, equivaleria a
roubar do jogo grande parte de
sua poesia e de seu mistério.
E-mail: jgcouto@uol.com.br
José Geraldo Couto escreve às quintas
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|