São Paulo, quarta-feira, 16 de junho de 2010

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Turma do amendoim

Em uma aldeia na maior cidade da Costa do Marfim, Drogba é onipresente e tratado como divindade

FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A ABIDJAN

Pés descalços, sob um guarda-sol que a protege da garoa fraca, Germaine Kouadio é o retrato da tranquilidade. Descasca amendoins e os coloca em pequenas garrafas plásticas, que vende a 50 francos, ou apenas R$ 0,16.
Haja concentração.
Atrás dela, a menos de um metro, mais de 50 homens e crianças pulam, xingam e urram. Assistem à estreia da Costa do Marfim na Copa do Mundo, diante de Portugal.
A Folha acompanhou o jogo na aldeia de Mputo, periferia de Abidjan, maior cidade marfinesa. Um lugar simples. E que, ontem, só falava em futebol. E em Drogba.
O astro do Chelsea é onipresente no país. Sua biografia ocupa a vitrine das livrarias. Outdoors da cidade estampam o atacante, com a camisa da seleção, dando um voleio. Sua foto está nas casas das famílias, em bares e até em salões de beleza.
"É uma unanimidade. Não há nenhum cantor ou ator ou quem quer que seja que chegue aos pés da sua popularidade. Ele é o cara", diz Tibe Bi, cônsul da Costa do Marfim em São Paulo e que estava ontem em Abidjan.
Um "cara" com atuação além do futebol. Drogba também é cultuado por sua atuação para amenizar os conflitos em Bouake, no centro do país. Em 2007, sua insistência levou para a região um jogo contra Moçambique, pelas eliminatórias da Copa.
"Foi um gesto bonito. Foram dias de paz, em que ele uniu o país", conta Gilbert Nenon, o guia até Mputo.
As ruas são de terra, acidentadas, cheias de poças. Galinhas e bodes se misturam a crianças que brincam alheias ao jogo. Além delas, por ali, apenas Germaine não está com os olhos grudados nas TVs. Não é porque quer. É porque não pode.
"Eu adoro futebol, mas estou ocupada. Além do mais, não tem lugar para ver ali", afirma ela, apontando com o queixo para o bolo de gente espremida atrás de si.
Os amendoins que ela vende a ajudam a sustentar o filho de cinco anos. Lance a lance, grito após grito, Germaine mantém a impassividade. Até o momento em que, tão forte a vibração, ela levanta, sobe no banquinho, bate palmas. A TV mostrava Drogba entre os reservas.
Vem o intervalo. E a aldeia de Mputo comemora o empate até então. O som da TV é desligado, e a música de Gadji Celi, ex-capitão da seleção, hoje cantor, invade as ruas e as pequenas casas de madeira com teto de zinco. Pelas mesas, circulam garrafas de Castel, a cerveja local.
E se Germaine subiu no banquinho quando Drogba apareceu na TV, precisou se proteger da bagunça quando o técnico Sven-Göran Eriksson mandou o astro nacional para o aquecimento.
Três torcedores correram até a TV. Um deles se ajoelhou, como se diante de uma divindade. Outro ergueu a cadeira sobre a cabeça e gritou seu nome. Atrás, uma marfinense mandava beijos para a tela.
A vibração valeu pelos gols que não vieram. Mas o empate em 0 a 0 foi comemorado como uma vitória. Em Mputo, os torcedores correram pelas ruas de terra. Em Abidjan, buzinaço.


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