São Paulo, segunda-feira, 16 de julho de 2007

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filhos da guerra

Irmãos adotivos, Golda e Evan se separam no Rio para disputar as provas de natação no Pan por El Salvador e Guatemala

MARIANA LAJOLO
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

Sharon Marcus lembra de sua viagem a El Salvador há 24 anos, da guerra civil, de bombas explodindo pelas ruas.
Mas também se lembra de um momento singelo, em que uma senhora colocou em seu colo um pequeno bebê de apenas três meses dizendo que aquele seria o futuro do país.
A criança foi batizada Golda.
Viúva de um soldado morto na Guerra do Vietnã, Sharon viajou o mundo como voluntária e aproveitou as andanças para formar uma família única.
Depois de Golda, adotou mais duas crianças, órfãs como ela em conflitos civis nas Américas. Jay nasceu em Honduras, e Evan, na Guatemala.
Os três tiveram uma infância como a de tantos outros na Flórida (EUA). Mas o esporte fez com que traçassem um caminho de volta às origens.
Exímios nadadores, Golda e o caçula Evan, de 20 anos, figuram hoje na elite do esporte. Mas em nações diferentes.
A garota é esperança de medalhas de El Salvador. Evan é o destaque da Guatemala. A partir de hoje estarão em lados opostos na busca por medalhas.
Jay deveria estar com eles no Parque Aquático Maria Lenk. O chamado para defender os EUA no Iraque, no entanto, o impediu de representar Honduras.
"A maior influência para eu competir por El Salvador foi meu avô [morto em 2002]. Ele era meu fã número um, meu primeiro técnico. Queria que eu competisse por meu país mesmo podendo defender os EUA. Isso é parte de quem eu sou", afirmou Golda à Folha.
Os irmãos deixaram seus países de origem aos três meses e só voltaram a visitá-los na juventude. Não conhecem suas famílias biológicas nem sabem se ainda têm parentes vivos.
"Sei que minha mãe tinha 13 anos, e meu pai, 16. Ele era soldado e foi morto. Não sei se nasci em um orfanato ou em uma casa. Gostaria de conhecer minha história", disse Golda.
Evan foi para a Guatemala pela primeira vez há dois anos. Sua irmã conheceu El Salvador aos 18. A distância e a diferença de línguas -só arranham o espanhol- fez com que fossem recebidos com desconfiança nas novas equipes. Mas os resultados quebraram o gelo.
No último campeonato da América Central e do Caribe, Golda levou três ouros -800 m livre, 200 m livre e 400 m livre. Evan venceu os 1.500 m livre e foi bronze nos 400 m medley.
"Gosto de competir por meu país. Às vezes converso com minha mãe sobre a cultura da Guatemala, que é muito rica. Me sinto bem na equipe", disse Evan, que vai disputar os 200 m, 400 m e 1.500 m livre.
Para o caçula, tudo é novo. O Pan é seu mais importante evento. A ida para a equipe salvadorenha ajudou Golda a realizar um sonho de seu avô: já disputou Mundial e Olimpíada.
Os irmãos não escondem a admiração pela mãe, que não deixou de apoiá-los no esporte nem quando fazia hemodiálise.
A distância dos países que deixaram ainda no colo de Sharon é tão grande que Golda e Evan nem conseguem vislumbrar como seria o futuro se não tivessem sido adotados.
Quando a garota foi a El Salvador, várias pessoas apareceram para dizer que eram sua mãe. Nenhuma aceitou ser submetida a teste de DNA. "Às vezes penso o que teria acontecido comigo. Será que sobreviveria? Apesar de não conhecer minha mãe, sou grata a ela. E a minha outra mãe, que formou uma família única."


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