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filhos da guerra
Irmãos adotivos, Golda e Evan se separam no Rio para disputar as provas
de natação no Pan por
El Salvador e Guatemala
MARIANA LAJOLO
ENVIADA ESPECIAL AO RIO
Sharon Marcus lembra de
sua viagem a El Salvador há 24
anos, da guerra civil, de bombas
explodindo pelas ruas.
Mas também se lembra de
um momento singelo, em que
uma senhora colocou em seu
colo um pequeno bebê de apenas três meses dizendo que
aquele seria o futuro do país.
A criança foi batizada Golda.
Viúva de um soldado morto
na Guerra do Vietnã, Sharon
viajou o mundo como voluntária e aproveitou as andanças
para formar uma família única.
Depois de Golda, adotou
mais duas crianças, órfãs como
ela em conflitos civis nas Américas. Jay nasceu em Honduras,
e Evan, na Guatemala.
Os três tiveram uma infância
como a de tantos outros na Flórida (EUA). Mas o esporte fez
com que traçassem um caminho de volta às origens.
Exímios nadadores, Golda e o
caçula Evan, de 20 anos, figuram hoje na elite do esporte.
Mas em nações diferentes.
A garota é esperança de medalhas de El Salvador. Evan é o
destaque da Guatemala. A partir de hoje estarão em lados
opostos na busca por medalhas.
Jay deveria estar com eles no
Parque Aquático Maria Lenk. O
chamado para defender os EUA
no Iraque, no entanto, o impediu de representar Honduras.
"A maior influência para eu
competir por El Salvador foi
meu avô [morto em 2002]. Ele
era meu fã número um, meu
primeiro técnico. Queria que
eu competisse por meu país
mesmo podendo defender os
EUA. Isso é parte de quem eu
sou", afirmou Golda à Folha.
Os irmãos deixaram seus
países de origem aos três meses
e só voltaram a visitá-los na juventude. Não conhecem suas
famílias biológicas nem sabem
se ainda têm parentes vivos.
"Sei que minha mãe tinha 13
anos, e meu pai, 16. Ele era soldado e foi morto. Não sei se
nasci em um orfanato ou em
uma casa. Gostaria de conhecer
minha história", disse Golda.
Evan foi para a Guatemala
pela primeira vez há dois anos.
Sua irmã conheceu El Salvador
aos 18. A distância e a diferença
de línguas -só arranham o espanhol- fez com que fossem
recebidos com desconfiança
nas novas equipes. Mas os resultados quebraram o gelo.
No último campeonato da
América Central e do Caribe,
Golda levou três ouros -800 m
livre, 200 m livre e 400 m livre.
Evan venceu os 1.500 m livre e
foi bronze nos 400 m medley.
"Gosto de competir por meu
país. Às vezes converso com
minha mãe sobre a cultura da
Guatemala, que é muito rica.
Me sinto bem na equipe", disse
Evan, que vai disputar os 200
m, 400 m e 1.500 m livre.
Para o caçula, tudo é novo. O
Pan é seu mais importante
evento. A ida para a equipe salvadorenha ajudou Golda a realizar um sonho de seu avô: já
disputou Mundial e Olimpíada.
Os irmãos não escondem a
admiração pela mãe, que não
deixou de apoiá-los no esporte
nem quando fazia hemodiálise.
A distância dos países que
deixaram ainda no colo de Sharon é tão grande que Golda e
Evan nem conseguem vislumbrar como seria o futuro se não
tivessem sido adotados.
Quando a garota foi a El Salvador, várias pessoas apareceram para dizer que eram sua
mãe. Nenhuma aceitou ser
submetida a teste de DNA. "Às
vezes penso o que teria acontecido comigo. Será que sobreviveria? Apesar de não conhecer
minha mãe, sou grata a ela. E a
minha outra mãe, que formou
uma família única."
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