São Paulo, sábado, 16 de setembro de 2006

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Aos 93 e doente, pioneira ensina judô

Arquivo Pessoal
Keiko Fukuda sofre golpe durante torneio de exibição nos EUA


Keiko Fukuda integrou as primeiras turmas de mulheres que aprenderam o esporte, nos anos 20, e hoje é guru nos EUA

Japonesa sofre com artrite e com mal de Parkinson, porém consegue executar movimentos e promete exibição no Brasil em 2007


GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL

A única mudança entre as aulas que comandava há exatos 70 anos e os cursos ministrados hoje é uma cadeira branca colocada no centro da sala.
Aos 93, Keiko Fukuda não consegue ficar o tempo todo em pé. O corpo sofre com o mal de Parkinson e uma artrite crônica. Mas os estudantes não reclamam. Ao contrário. Buscar sua academia para aperfeiçoar técnicas de judô é um caminho cada vez mais disputado por esportistas de todo o mundo.
A explicação é simples: a japonesa naturalizada americana é uma das poucas praticantes de modalidades incluídas nas Olimpíadas que pode ostentar o status de pioneira.
Em 1926, Fukuda ingressou nas primeiras turmas oficiais de mulheres autorizadas a aprender os movimentos de uma arte marcial que acabara de nascer. O local das práticas, batizado Instituto Kodokan, era chefiado por Jigoro Kano, considerado o criador do judô.
"Minha família não me deixava lutar. Eu fiquei entrando e saindo da escola até 1935, quando meu avô, que era amigo pessoal de Jigoro, autorizou a minha participação", declara Fukuda, que falou à Folha.
O gesto tão ousado para a época jamais foi esquecido. A atleta adornou sua academia em San Francisco, nos EUA, com uma foto de Hatchinosuke, o avô. E explica que permanecer na ativa até hoje é uma forma de enobrecer a memória das pessoas que a ajudaram a romper convenções. "Ensinar é o meu destino. E faço tudo para honrar os espíritos de meu avô e de Jigoro", afirma ela.
Após dirigir atletas e seleções nacionais no Japão, na Austrália, no Canadá, na Nova Zelândia, na Noruega, nas Filipinas e na França, Fukuda foi viver nos EUA a partir de 1966. Desde então, estuda os movimentos do judô em busca da perfeição.
Não à toa, a modalidade que ensina hoje é o kata, técnica que demonstra a forma dos golpes em sua essência.
"Ela não fica sentada passando instruções. Quando percebe dificuldades nos alunos, levanta-se e mostra a execução correta. É incrível como seu corpo ainda é capaz de realizar os mais complicados exercícios", diz Shelley Fernandez, que cuida da judoca e atuou como tradutora na entrevista. Fukuda tem dificuldades com o inglês.
A valorização dos movimentos precisos é o motivo que faz a pioneira do esporte guardar especial afeto pelo Brasil.
"Gosto de quem preza a prática do kata e por isso amo o judô, como os praticantes de seu país, que são apaixonados."
Ela avisa que, em junho próximo, vai realizar uma exibição para o público brasileiro e atuar como juíza em torneios.
O segredo da longevidade, de acordo com a companheira Shelley, está no estilo de vida. Fukuda dorme todo os dias por volta de meia-noite. Acorda às 8h, treina durante duas horas e segue para um mercado japonês no qual compra produtos frescos para o almoço. Só come carne uma ou duas vezes por semana, rotina que aprendeu com os pais. Fukuda, que nunca teve filhos, promove seus cursos de kata três vezes por semana, sempre à tarde.
A única deturpação ao estilo de vida japonês ocorre no café da manhã. Por influência das netas de Shelley, 74 anos, a pioneira do judô experimentou -e gostou- comer ovos e bacon. Médicos, entretanto, a aconselharam a abandonar o novo hábito. Fukuda já passou por três pontes de safena.


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