São Paulo, sábado, 16 de outubro de 2004

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FUTEBOL

O afeto que se encerra

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Romário adora uma encrenca. Disse que o treinador Alexandre Gama, teoricamente seu comandante no Fluminense, "só fala besteira". Só porque Gama ousou dizer que Ronaldo pode vir a ser o melhor jogador brasileiro depois da era Pelé, suplantando o próprio Romário.
Para o atacante, a declaração do técnico foi um "desrespeito". Não é à toa que Romário sempre se deu bem com gente como Ricardo Teixeira e Eurico Miranda. A prepotência é a mesma.
Ao longo da semana, diversos leitores entraram no debate sobre quem foi melhor, Zico ou Romário. A disputa é acirrada, embora numa enquete veiculada no UOL Zico esteja vencendo de goleada.
Calma, pessoal. Não vou repisar esse tema, sobre o qual já me declarei em cima do muro.
O que me interessa discutir aqui são as razões que nos levam a gostar mais de um jogador do que dos outros.
Claro que há os fatores objetivos: o domínio dos fundamentos, a quantidade de gols marcados, os títulos conquistados, as atuações decisivas pelos clubes e pela seleção.
"Objetivos", eu disse? Mas, com exceção do número de gols e de títulos, não há nada de mensurável ou quantificável nos critérios acima. Quem poderá dizer com segurança, por exemplo, se Zico amortecia melhor a bola que Romário, ou vice-versa?
E o que é uma "atuação decisiva"? Os próprios títulos são um critério discutível, uma vez que o futebol é um esporte coletivo e ninguém ganha ou perde taça sozinho. O fato é que há pouco de objetivo e muito de pessoal nessas escolhas. É difícil saber por que algum jogador nos encanta, entusiasma ou emociona, enquanto outro, talvez considerado melhor por muita gente, nos deixa indiferentes.
Nos últimos anos tenho ouvido e lido as mais diversas opiniões de leitores a respeito de certos jogadores. Romário, Alex, Rivaldo, Robinho, Diego, Zidane e Maradona são os que mais costumam despertar paixões contraditórias.
Ronaldo, Kaká e Ronaldinho já foram muito discutidos, mas agora parecem ter vencido quase todas as resistências.
A própria subjetividade, porém, tem seus parâmetros. Quer dizer, não é do nada que extraímos nossas preferências. Se um atleta fracassa com a camisa do nosso time de coração, antipatizaremos com ele até o fim dos tempos, mesmo que brilhe em outros clubes.
Se a fase áurea de determinado craque coincide com uma época da vida pela qual temos nostalgia, é provável que o guardemos como ídolo para sempre. Pelé me lembra a infância; Rivellino, a adolescência; Sócrates e Zico, os tempos de universidade e militância política. Para outros torcedores, os sentidos serão outros.
Por tudo isso, acho até engraçado quando alguém bate a mão no tampo da mesa e brada: "Fulano é o maior, não resta dúvida".
O futebol é vivido - ou seja, praticado e visto- por gente de carne e osso. E existe coisa mais ambígua, contraditória e insondável do que gente?

Ir ou ficar
Se é verdade que o Santos recusou uma oferta de 20 milhões do PSV por Robinho, a diretoria do clube merece aplausos por ter conseguido a façanha de segurar o jogador. Não sei qual é a ginástica financeira da diretoria santista, mas ofertas muito menores do que essa por Kaká e Luis Fabiano foram consideradas "irrecusáveis" pelo São Paulo. Nos três casos, foi decisiva a vontade dos jogadores de sair ou de ficar.

Bloco do eu sozinho
Foi enervante a impotência mostrada pelo Brasil diante da Colômbia. Tudo bem que estávamos desfalcados de Kaká e Juninho, mas não custava ter jogado um pouco mais pelos lados e sem tanto individualismo estéril. Todo mundo quer ser eleito o melhor do mundo?

E-mail jgcouto@uol.com.br


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