São Paulo, domingo, 16 de dezembro de 2007

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Depoimentos

Pais de jovens que sonham em ser craques contam a agonia de ver suas carreiras de longe

Aos 11 anos, Júlio (nome fictício a pedido da família) decidiu que seria jogador de futebol. Vivia em João Pessoa (PB).
Graças à ajuda de amigos, seu pai conseguiu testes no Corinthians e no Vasco. Queria dar um empurrão ao sonho do filho. Após dias de viagem, porém, Júlio voltou para casa, dois "nãos" na mala.
O sonho teve de ser adiado por um tempo. Neste ano, um empresário se interessou pelo garoto e o chamou para participar da peneira do Cruzeiro.
"Ele me ligou no primeiro dia feliz porque havia sido elogiado. Mas, no segundo dia, foi dispensado. Ele ficou arrasado, e eu também. Queria que ele voltasse e não tivesse mais de passar por tanta decepção", diz o pai, Antônio (nome fictício).
O empresário de Júlio, que seu pai nunca conheceu, logo conseguiu colocar o garoto no Londrina, outro clube do Paraná.
Mas a alegria durou poucos dias. Júlio ligou para contar ao pai que mudaria de novo. O Londrina entraria em férias e fecharia o alojamento.
"Ele me ligava chorando. Dizia que não podia mais estudar no novo time. E ele gosta dos estudos. Tinha medo, morava perto de um matagal, foi atacado por cachorros. Eu fiquei agoniado. Passamos uma semana sem dormir."
Desesperado, o pai ligou para o Londrina. Queria que se responsabilizassem por seu filho. E, então, descobriu que o empresário havia mentido.
"Eles me disseram que foi o garoto quem quis sair. Que, por eles, ele ainda estaria lá", diz o pai.
Júlio, 15, deixou o agente. Hoje ganha ajuda de custo de R$ 50, tem moradia, alimentação, vai à escola e está feliz. Só pena ainda para ver a família, que pede ajuda a amigos para pagar o ônibus. São quatro dias de viagem.

 

Roberto (nome fictício) já decidiu: vai juntar dinheiro e viajar com o filho de volta para o "sul". Quer ver de perto como está a vida e a carreira de Mateus (nome fictício).
O garoto saiu de Rondônia aos 14 anos para ser jogador de futebol. Passou por clubes de São Paulo e Minas Gerais. A última parada foi o Villa Nova.
A preocupação com o filho foi crescendo à medida que os telefonemas para sua casa começaram a aumentar. "Toda hora tem empresário ligando. Querem que eu assine papel em branco, falam em proposta do exterior. Sou pai e acho que está na hora de acompanhá-lo."
Mateus só encarou os três dias de viagem de ônibus para casa uma vez em dois anos. A passagem foi paga por seu agente.
O pai do adolescente conhece de perto a dor de uma carreira frustrada. Ele deixou Rondônia aos 15 anos, jogou em Curitiba, mas não vingou. "Sempre falo que nós temos para beber e comer. No resto, damos um jeito. É covarde quem não vai atrás de seus sonhos. Ele foi. E, se não der certo, a gente não tem que se frustrar."
Antônio não sabe que o filho parou de estudar há dois anos. Aos 16, estudou até a oitava série. "Queria que ele estudasse, mas... Ele já ajudou no trabalho pesado, foi soldador, plantou café. Acredito na base que demos a ele."


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