São Paulo, domingo, 16 de dezembro de 2007

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Final sub-14 tem briga e lama

Jovens de Palmeiras e Barueri duelam sob chuva observados por fã fotógrafo, agentes e mãe boleira

Dia que deveria ser nobre vira amostra nua e crua das agruras pelas quais passam os jovens aspirantes a estrelas do futebol

DA REPORTAGEM LOCAL
DO PAINEL FC

"Pára de brincar, Robinho."
A frase dita na manhã fria da última quarta-feira na Grande São Paulo a um jovem com menos de 14 anos bem que poderia ser para que ele saísse da chuva.
Na verdade, era a ordem da mãe de um jogador do Barueri para que parasse de tentar entortar os adversários. Afinal, era decisão de campeonato.
O palco era o estádio municipal de Cajamar. O adversário, o Palmeiras. E o título em disputa, o da Supercopa da Associação Paulista de Futebol na categoria sub-14. Um dia nobre, uma decisão. Mas uma amostra nua e crua das agruras pelas quais passam os jovens atletas.
Cerca de 30 pessoas, a maioria parente dos jogadores, encararam a chuva para ver a decisão, sem nenhum glamour.
Mas teve uma pitada do que há de pior: a violência. Dois pais brigaram por causa da atuação do árbitro, soltaram palavrões e por pouco não causaram tumulto generalizado.
"Falo para o meu filho que não pode discutir com os outros. Tem que ter bom coração. Mas o outro falou da minha mãe, que está no céu", disse Eraldo Zamblauskas, pai de um dos jogadores do Palmeiras, justificando a confusão.
Segundo testemunhas, seu desafeto foi até o carro, estacionado ao lado da acanhada arquibancada, e buscou um revólver, mas acabou contido por dois guardas municipais.
Até a briga, porém, era diferente das que explodem nos jogos dos profissionais. Enquanto os brigões eram contidos, ouvia-se gritos como: "Pára, pai" e "Sai logo, vô, corre".
Perto dali, um torcedor solitário fotografava o jogo. Palmeirense, disse acompanhar as categorias de base há dois anos. Coleciona no computador fotos dos jovens atletas em campo. Enforcou o trabalho pela manhã, numa delegacia, para acompanhar o time. Temendo punição, não quis se identificar. Solitário, contou que às vezes leva a mulher aos jogos.
Em campo, os garotos ouviam broncas e orientações de uma mãe torcedora, que abusava de jargões boleiros, como "marca" e "pega", para incentivar os meninos do Barueri.
Ao lado dos bancos de reservas, em pé, treinadores mais jovens do que os que comandam os times adultos repetiam o ritual de gritos e gestos comuns na lateral dos gramados. Tentavam empurrar seus pupilos que, no começo do jogo de dois tempos com 30 minutos cada um, já estavam enlameados.
A correria não denunciava a rotina cansativa a que se submeteram no dia da decisão.
Os meninos do Palmeiras acordaram por volta das 6h30. Seu ônibus deixou a concentração em São Paulo às 7h30.
Mas o sofrimento maior ainda estava por vir. Depois do empate em 1 a 1, a decisão foi para os pênaltis. E dos dois lados os garotos imitaram os profissionais. Os não-relacionados pelo "professor" para a cobrança ficaram de joelhos, abraçados.
Robinho, aquele que não podia brincar, desperdiçou um dos dois pênaltis que pararam nas mãos do palmeirense Valter. E viu o título escapar.
Como consolo, o jogador do Barueri ouviu os gritos do banco de reservas: "Você tem crédito. Valeu, Robinho".
A resposta veio dos suplentes palmeirenses: "Valeu mesmo, Robinho". Foi praticamente a última frase que pronunciaram antes de cantarem o hino do clube, abraçados.
Depois, comemoraram com um banho de lama. E fizeram um pedido para Ademir Prevelato, diretor das categorias de base do clube: queriam ficar com a camisa histórica.
"No vestiário, a gente vê isso", respondeu o cartola, para depois cochichar: "Vou dar as camisas para eles, só faço isso quando o time é campeão".
Minutos depois, um empresário aparece no gramado para cumprimentar o dirigente.
"Agente tem aos montes. Não apareceram muitos nesta final porque choveu", disse Prevelato. Em seguida, reuniu os garotos para cumprir a promessa de levá-los a uma churrascaria para festejar. Se perdessem, iriam direto para casa.
(MARIANA LAJOLO E RICARDO PERRONE)


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