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Final sub-14 tem briga e lama
Jovens de Palmeiras e Barueri duelam sob chuva observados por fã fotógrafo, agentes e mãe boleira
Dia que deveria ser nobre vira amostra nua e crua
das agruras pelas quais passam os jovens aspirantes a estrelas do futebol
DA REPORTAGEM LOCAL
DO PAINEL FC
"Pára de brincar, Robinho."
A frase dita na manhã fria da
última quarta-feira na Grande
São Paulo a um jovem com menos de 14 anos bem que poderia
ser para que ele saísse da chuva.
Na verdade, era a ordem da
mãe de um jogador do Barueri
para que parasse de tentar entortar os adversários. Afinal,
era decisão de campeonato.
O palco era o estádio municipal de Cajamar. O adversário, o
Palmeiras. E o título em disputa, o da Supercopa da Associação Paulista de Futebol na categoria sub-14. Um dia nobre,
uma decisão. Mas uma amostra
nua e crua das agruras pelas
quais passam os jovens atletas.
Cerca de 30 pessoas, a maioria parente dos jogadores, encararam a chuva para ver a decisão, sem nenhum glamour.
Mas teve uma pitada do que
há de pior: a violência. Dois pais
brigaram por causa da atuação
do árbitro, soltaram palavrões e
por pouco não causaram tumulto generalizado.
"Falo para o meu filho que
não pode discutir com os outros. Tem que ter bom coração.
Mas o outro falou da minha
mãe, que está no céu", disse
Eraldo Zamblauskas, pai de um
dos jogadores do Palmeiras,
justificando a confusão.
Segundo testemunhas, seu
desafeto foi até o carro, estacionado ao lado da acanhada arquibancada, e buscou um revólver, mas acabou contido por
dois guardas municipais.
Até a briga, porém, era diferente das que explodem nos jogos dos profissionais. Enquanto os brigões eram contidos,
ouvia-se gritos como: "Pára,
pai" e "Sai logo, vô, corre".
Perto dali, um torcedor solitário fotografava o jogo. Palmeirense, disse acompanhar as
categorias de base há dois anos.
Coleciona no computador fotos
dos jovens atletas em campo.
Enforcou o trabalho pela manhã, numa delegacia, para
acompanhar o time. Temendo
punição, não quis se identificar.
Solitário, contou que às vezes
leva a mulher aos jogos.
Em campo, os garotos ouviam broncas e orientações de
uma mãe torcedora, que abusava de jargões boleiros, como
"marca" e "pega", para incentivar os meninos do Barueri.
Ao lado dos bancos de reservas, em pé, treinadores mais jovens do que os que comandam
os times adultos repetiam o ritual de gritos e gestos comuns
na lateral dos gramados. Tentavam empurrar seus pupilos
que, no começo do jogo de dois
tempos com 30 minutos cada
um, já estavam enlameados.
A correria não denunciava a
rotina cansativa a que se submeteram no dia da decisão.
Os meninos do Palmeiras
acordaram por volta das 6h30.
Seu ônibus deixou a concentração em São Paulo às 7h30.
Mas o sofrimento maior ainda estava por vir. Depois do empate em 1 a 1, a decisão foi para
os pênaltis. E dos dois lados os
garotos imitaram os profissionais. Os não-relacionados pelo
"professor" para a cobrança ficaram de joelhos, abraçados.
Robinho, aquele que não podia brincar, desperdiçou um
dos dois pênaltis que pararam
nas mãos do palmeirense Valter. E viu o título escapar.
Como consolo, o jogador do
Barueri ouviu os gritos do banco de reservas: "Você tem crédito. Valeu, Robinho".
A resposta veio dos suplentes
palmeirenses: "Valeu mesmo,
Robinho". Foi praticamente a
última frase que pronunciaram
antes de cantarem o hino do
clube, abraçados.
Depois, comemoraram com
um banho de lama. E fizeram
um pedido para Ademir Prevelato, diretor das categorias de
base do clube: queriam ficar
com a camisa histórica.
"No vestiário, a gente vê isso", respondeu o cartola, para
depois cochichar: "Vou dar as
camisas para eles, só faço isso
quando o time é campeão".
Minutos depois, um empresário aparece no gramado para
cumprimentar o dirigente.
"Agente tem aos montes.
Não apareceram muitos nesta
final porque choveu", disse
Prevelato. Em seguida, reuniu
os garotos para cumprir a promessa de levá-los a uma churrascaria para festejar. Se perdessem, iriam direto para casa.
(MARIANA LAJOLO E RICARDO PERRONE)
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