São Paulo, sábado, 17 de março de 2007

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JOSÉ GERALDO COUTO

Que bonito é

O gol de Zé Roberto contra o Gimnasia coroa a primavera tardia do craque, que quase sempre foi subaproveitado

NUMA ENQUETE realizada pelo UOL para saber quem é o melhor jogador de futebol em atividade no país, Zé Roberto está ganhando com uma certa folga em relação ao segundo colocado, Rogério Ceni. Até ontem, tinha 42,8% dos votos dos internautas, contra 33,7% do goleiro são-paulino.
O resultado não chega a surpreender: desde que surgiu como lateral-esquerdo na Portuguesa, em 1995, Zé Roberto sempre foi ótimo jogador. Some-se a isso o fato de que o nível do futebol praticado no país decaiu nos últimos anos, sobretudo devido ao êxodo de talentos. Mas o fato é que Zé Roberto, que nunca tinha sido mais do que coadjuvante de luxo nos times por onde passou, ganha aos 32 anos a condição de protagonista, se não de astro. Entre as razões dessa primavera tardia, além do já mencionado declínio da qualidade do futebol jogado por aqui, há que reconhecer a sagacidade do técnico Vanderlei Luxemburgo, que soube encontrar a melhor função para o atleta em campo, a de meia ofensivo.
É como se, em 12 anos de carreira profissional, Zé Roberto tivesse sempre jogado no lugar errado, em prejuízo de suas potencialidades. Fosse como lateral, fosse como segundo volante, o craque era sempre subaproveitado. Chega a lembrar, por analogia, a história de Miguilim, o menino sertanejo inventado por Guimarães Rosa, que só começa a ver o mundo como ele é depois que um mascate intui que ele é míope e coloca-lhe um par de óculos no rosto. Pela primeira vez na vida, Miguilim enxerga direito o rosto da mãe, as plantas, os bichos.
Luxemburgo, de certa forma, deu óculos a Zé Roberto. Na terra de cegos em que se transformou o país do futebol, ele hoje é rei. (Não por acaso, veste a camisa 10 do Santos, manto sagrado que já foi de Pelé.) Mas não seria justo atribuir o atual brilho de Zé Roberto apenas à opacidade dos outros jogadores, mesmo porque o próprio Santos conta com alguns de primeiro nível: Kléber, Maldonado, Cléber Santana, Pedrinho.
Para comprovar a maestria do sujeito, basta ver o gol que ele fez contra o Gimnasia y Esgrima, da Argentina, no meio da semana. Depois de arrancar como um garoto pela esquerda, deixando dois oponentes para trás, Zé Roberto entrou na área em velocidade e, já perto da linha de fundo, olhou para o meio: não tinha ninguém para receber a bola. Deu então um segundo olhar, desta vez para o gol, e, mesmo sem ângulo, resolveu encobrir o goleiro. A bola entrou no cantinho, num dos lances mais belos do ano. O movimento dos olhos de Zé Roberto só se deixa ver na repetição em câmera lenta. Tudo durou uma fração de segundo, com a bola em movimento e um zagueiro a acossá-lo. É bonito ver a arte do futebol levada a um tal extremo de sutileza e precisão.

ESTRELAS LIVRES
Por falar em manto sagrado, o Cruzeiro fez bem em consultar a torcida sobre a nova camisa do time. Deu a lógica: em vez de manter aprisionadas no escudo circular do clube as cinco estrelas do Cruzeiro do Sul, os fãs decidiram libertá-las de novo, espalhando-as pelo peito dos atletas. Assim, a camisa volta a ser uma das mais belas do Brasil, ao lado da do Juventus da Mooca.

TRANCOS E BARRANCOS
Jogando feio, sem organização tática, com gols feitos no "abafa" por beques e volantes, com expulsões e lesões, o Corinthians avança na Copa do Brasil, ganha pontinhos no Estadual e anima a Fiel. Nessa toada, já não duvido de que chegue entre os finalistas do Paulistão. Mas não se iluda: o time é ruim de doer. O que o salva é a grandeza de sua torcida e de sua camisa.

jgcouto@uol.com.br


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