São Paulo, sexta-feira, 17 de junho de 2011

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XICO SÁ

Corisco da Vila


Durval foi um valente, um cowboy do agreste na peleja de vida ou morte contra o Peñarol

AMIGO TORCEDOR, amigo secador, vamos esquecer por um momento o futebol refinado, vamos subtrair das nossas mentes barcelonizadas o ideal de bola rolando com engenho e arte, por favor, vamos tratar de quem faz cara feia para que o resto do time faça bonito.
Cavaleiro solitário da defesa titular do Santos na peleja de vida ou morte contra o Peñarol, Severino dos Ramos Durval da Silva foi um valente, um Corisco, um cowboy do agreste, um destemido apache que enfrenta com suas flechas flamejantes o traiçoeiro inimigo. O sangue dos tabajaras, os índios mais guerreiros de Cruz do Espírito Santo, na sua machíssima Paraíba, correu nas veias abertas da Libertadores das Américas. Se os uruguaios se orgulham do destemor na batalha, mais gana havia ainda no cangaceiro da zaga do Peixe.
"Se entrega, Corisco" era o coro que parecia rachar o cimento do mitológico Centenario na histórica quarta-feira junina. "Eu não me entrego, não", respondia o guerreiro em campo.
O estádio calava por um minuto e na caixa de som dos nossos inconscientes reverberava a trilha que remixava o Sergio Ricardo de "Deus e o Diabo na Terra do Sol" com o Ennio Morricone de "Era Uma Vez no Oeste".
Das canelas dos heróis da peleja de Montevidéu faiscava o fogo que iluminava a noite dramática, quando Durval, homem de pouca fala (como deve ser um zagueiro de respeito), quebrou o silêncio como quem amola uma faca na pedra:
"Somos muitos Severinos / iguais em tudo na vida: / na mesma cabeça grande / que a custo é que se equilibra, / no mesmo ventre crescido / sobre as mesmas pernas finas / e iguais também porque o sangue / que usamos tem pouca tinta".
Ao dizer, no instinto da guerra, os versos cabralinos, parecia repetir os mais biográficos mantras da sua Severina sina homônima. E nada passava ali na sua vigiada porteira. Nem o pensamento de atacante rival. Muito menos a malfazeja vontade do secador do Santos Futebol Clube que esfregava as mãos com as luvas agourentas de todas as cores -palmeirenses, corintianas e são-paulinas.
A terceira estrela, que passou anos como poeira cósmica, nunca foi tão nítida. Não será fácil, mas nunca foi tão possível. Uma estrela com a marca de Neymar, mas também forjada a ferro e fogo como a estrela de Davi nos chapéus dos cangaceiros, como a estrela imaginária que Durval tinha sobre a cabeça na invicta noite no estádio Centenario.

xico.folha@uol.com.br

@xicosa



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