São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2008

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Artigo

China faz Olimpíada aos seus moldes

Os Jogos vêm mostrando que o modelo alternativo chinês está sendo levado a sério por todo o mundo

RANA MITTER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em 1993, o Comitê Olímpico Internacional (COI) negou a Pequim o direito de sediar os Jogos de 2000. Ao longo da década seguinte, pessoas que visitavam a China ouviam a frase: "Gei Zhongguo yi ge jihui!" ("Dêem uma chance à China!"). As palavras não significavam apenas que o país deveria ser a sede olímpica, referiam-se também a uma chance de a China mostrar que tinha mudado. O país não era mais a China revolucionária de Mao Tse-tung, nem a de 1989, à beira de uma guerra civil. Em lugar disso, a China do século 21 exerceria um papel central na comunidade internacional, mas se definiria em seus próprios termos, não nos do Ocidente. Na busca por reconhecimento, a Olimpíada era o prêmio máximo. Desde 1945, o COI escolhe sedes que simbolizem a emergência de um passado de conflitos para um futuro próspero: Tóquio, em 1964, Seul, em 1988, e Barcelona, em 1992. Em 2001, quando Pequim obteve o direito dos Jogos de 2008, a impressão era que um padrão estava sendo seguido. Mas os outros países tiveram que se democratizar antes. Ao conceder os Jogos à China, o COI reconheceu que o poderio econômico chinês tornava o país impossível de ignorar, apesar de Pequim insistir que seguiria caminho político próprio, não-democrático. Neste século, porém, a China vem enfatizando que seu poderio não é sinônimo de conflitos. Em 2003, o pensador Zheng Bijian propôs o termo "ascensão pacífica" para descrever a nova posição chinesa. O termo foi logo convertido em "desenvolvimento pacífico", quando ficou claro que a palavra "ascensão" preocupava os países vizinhos. Em menos de 40 anos, o discurso político chinês mudou: na época de Mao, tudo girava em torno de conflito; já Hu Jintao fala de "harmonia", lembrando Confúcio. É por isso que a Olimpíada, maior símbolo mundial de cooperação e competição, vem sendo algo tão poderoso para a China. O discurso sobre "harmonia", no entanto, não oculta o fato de que a influência do país asiático cresce à medida que a dos EUA diminui. Mas Pequim aderiu com maestria à linguagem da cidadania global, e a China passou a ser vista como voz neutra e honesta nos assuntos mundiais. Ao mesmo tempo, ela vem obrigando o mundo a reconhecer sua redefinição dos termos, mesmo que não a aceite. Diante de violações de direitos humanos, como a liberdade de expressão, porta-vozes chineses respondem que o maior êxito do país é o fomento de outros direitos humanos da população, como o direito a um padrão de vida decente. Mas eles raramente falam o porquê de Pequim considerar que esses dois direitos estão em oposição. A maior vitória de Pequim vem sendo a de convencer o mundo de que os Jogos são "apolíticos". Mas o evento lhe possibilitou dar um argumento profundamente político. Em um mundo em que a democracia é a meta dominante, pelo menos teoricamente, a China oferece um modelo de desenvolvimento muito diferente. A cobertura da China nos Jogos vem mostrando que o modelo alternativo chinês está sendo levado a sério por observadores de todo o planeta. Trata-se de uma legítima medalha de ouro para os estrategistas do Partido Comunista chinês.


RANA MITTER é professor de história e política da China moderna da Universidade de Oxford
Tradução de Clara Allain

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