|
Texto Anterior | Índice
Artigo
China faz Olimpíada aos seus moldes
Os Jogos vêm mostrando que o modelo alternativo chinês está sendo levado a sério por todo o mundo
RANA MITTER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em 1993, o Comitê Olímpico
Internacional (COI) negou a
Pequim o direito de sediar os
Jogos de 2000. Ao longo da década seguinte, pessoas que visitavam a China ouviam a frase:
"Gei Zhongguo yi ge jihui!"
("Dêem uma chance à China!").
As palavras não significavam
apenas que o país deveria ser a
sede olímpica, referiam-se
também a uma chance de a China mostrar que tinha mudado.
O país não era mais a China
revolucionária de Mao Tse-tung, nem a de 1989, à beira de
uma guerra civil. Em lugar disso, a China do século 21 exerceria um papel central na comunidade internacional, mas se
definiria em seus próprios termos, não nos do Ocidente.
Na busca por reconhecimento, a Olimpíada era o prêmio
máximo. Desde 1945, o COI escolhe sedes que simbolizem a
emergência de um passado de
conflitos para um futuro próspero: Tóquio, em 1964, Seul, em
1988, e Barcelona, em 1992.
Em 2001, quando Pequim
obteve o direito dos Jogos de
2008, a impressão era que um
padrão estava sendo seguido.
Mas os outros países tiveram
que se democratizar antes.
Ao conceder os Jogos à China, o COI reconheceu que o poderio econômico chinês tornava o país impossível de ignorar,
apesar de Pequim insistir que
seguiria caminho político próprio, não-democrático.
Neste século, porém, a China
vem enfatizando que seu poderio não é sinônimo de conflitos.
Em 2003, o pensador Zheng Bijian propôs o termo "ascensão
pacífica" para descrever a nova
posição chinesa. O termo foi logo convertido em "desenvolvimento pacífico", quando ficou
claro que a palavra "ascensão"
preocupava os países vizinhos.
Em menos de 40 anos, o discurso político chinês mudou:
na época de Mao, tudo girava
em torno de conflito; já Hu Jintao fala de "harmonia", lembrando Confúcio. É por isso
que a Olimpíada, maior símbolo mundial de cooperação e
competição, vem sendo algo
tão poderoso para a China.
O discurso sobre "harmonia", no entanto, não oculta o
fato de que a influência do país
asiático cresce à medida que a
dos EUA diminui. Mas Pequim
aderiu com maestria à linguagem da cidadania global, e a
China passou a ser vista como
voz neutra e honesta nos assuntos mundiais.
Ao mesmo tempo, ela vem
obrigando o mundo a reconhecer sua redefinição dos termos,
mesmo que não a aceite.
Diante de violações de direitos humanos, como a liberdade
de expressão, porta-vozes chineses respondem que o maior
êxito do país é o fomento de outros direitos humanos da população, como o direito a um padrão de vida decente. Mas eles
raramente falam o porquê de
Pequim considerar que esses
dois direitos estão em oposição.
A maior vitória de Pequim
vem sendo a de convencer o
mundo de que os Jogos são
"apolíticos". Mas o evento lhe
possibilitou dar um argumento
profundamente político. Em
um mundo em que a democracia é a meta dominante, pelo
menos teoricamente, a China
oferece um modelo de desenvolvimento muito diferente.
A cobertura da China nos Jogos vem mostrando que o modelo alternativo chinês está
sendo levado a sério por observadores de todo o planeta. Trata-se de uma legítima medalha
de ouro para os estrategistas do
Partido Comunista chinês.
RANA MITTER é professor de história e política
da China moderna da Universidade de Oxford
Tradução de Clara Allain
Texto Anterior: Laboratório humano Índice
|