São Paulo, domingo, 17 de setembro de 2006

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Filme pornô e pechincha levam Tuna pela BR-316

Sem tempo, time paraense faz treino físico na beira da rodovia periclitante, e jogadores são seguidos lentamente pelo ônibus

Síntese da maratona da Série C, equipe "vive" na estrada e regateia para comer

DO ENVIADO A PIAUÍ, MARANHÃO E PARÁ

Seu péssimo estado foi uma das estrelas da disputa entre Lula e Geraldo Alckmin pela presidência da República. Mas quem paga o pato pelas crateras naquilo que já foi chamado de asfalto é a Tuna Luso.
A BR-316, a principal ligação entre o Norte e o Nordeste do país, é a maior dor de cabeça do time que melhor representa a maratona rodoviária em que se transformou a Série C.
Até o final da terceira fase, a Tuna terá acumulado pouco menos de 15 mil quilômetros, quase a distância entre São Paulo e a Espanha ida e volta.
Seriam quase 2.000 quilômetros a menos e uma economia de quase 50 horas -mais do que um time da Série A vai gastar em aviões durante todo o campeonato- se a rodovia pela qual petistas e tucanos batem boca estivesse transitável.
Para viajar ao Nordeste, onde faz a maioria das suas partidas como visitante, o clube de Belém usa um desvio pela Belém-Brasília e cruza quase todo o Maranhão para driblar os buracos da BR-316, o que aumenta cada perna em 360 km.
A Folha acompanhou uma das viagens da Tuna Luso. Foram quase 20 horas e 1.241 quilômetros entre Teresina (Piauí), onde o time perdeu para o River por 2 a 1 na última quarta-feira, e Belém.
Uma moleza para quem foi até São Luís em um microônibus ou gastou 106 horas entre ida e volta para ir até Cuiabá. Fichinha para um time em que o técnico ganha R$ 500 e o atraso de salários varia entre três e sete meses.
Com exceção do ônibus, confortável, a viagem é no melhor estilo mambembe.
O aviso de evitar rodar pelas estradas nordestinas durante as madrugadas é ignorado. A viagem começou às 23h56, e o ônibus fez a primeira parada oito horas depois.
"Nosso time é o único que tem peito para viajar à noite. Também, se ladrão nos roubar, não vai levar nada. Talvez até queira ajudar", fala Moyses Pepe Larrat, presidente da Tuna, que viaja com o time. "Até poderia ir de avião, mas não seria justo", diz ele, que é chamado de "tio" pelo elenco.
Dormir em alguns trechos, como entre Açailândia e Itinga, ainda no Maranhão, é um martírio. Os buracos na pista fazem o ônibus balançar e invadir a mão de caminhões pesados.
A alimentação só acontece após muita negociação. O time almoça depois de pechinchar num restaurante empoeirado, no qual o rodízio custa R$ 13.
E a comida não tem nada de balanceada. "A gente só come em beira de estrada. Ali só tem churrascaria. Como é que a gente vai ter uma alimentação balanceada?", indaga Sidinei Flores, o preparador físico do time, que ainda precisa controlar o excesso de açaí (muito calórico) dos jogadores, todos do Pará, a terra desse fruto.
Para se exercitar nas maratonas rodoviárias, Flores coloca o time para correr na estrada, que quase nunca tem acostamento, o que aumenta o risco de acidentes. O ônibus segue os jogadores por 3 km.
Treino tático nem pensar. "Não dá para fazer nada agora. É jogo, ônibus e, no máximo, um treino recreativo. Mas a gente encarou todo mundo até agora. E vamos subir", diz o técnico Carlos Alberto Lucena, mostrando com orgulho a campanha (o time estaria hoje no octagonal decisivo).
Quando não estão dormindo ou correndo na estrada, os jogadores da Tuna Luso ouvem, em alto volume, o brega e o forró que dominam as paradas de Belém, cidade com musicalidade bastante própria. Um aparelho portátil de DVD também faz sucesso, principalmente quando há pornôs na tela. Um filme com Nicole Kidman não empolga -"É muito branquela", dizem os jogadores.
Com muito tempo, discutem o jogo contra o River. Numa versão turbinada do que fazia Serginho quando jogava no São Paulo -forçar o terceiro amarelo para ficar de fora das viagens ao interior paulista-, o meia Márcio lamenta o cartão que o impede de enfrentar o Treze hoje, em Belém.
"Pena que tomei cartão hoje [quarta-feira]. Seria melhor ficar fora do jogo de Campina Grande", diz o jogador, referindo-se à partida do próximo domingo, quando serão quase 4.000 quilômetros de estrada.
A viagem acaba numa noite abafada em Belém com os jogadores e a comissão técnica sendo despejados pela cidade. Era a hora de ir para casa. Desta vez, de ônibus urbano.
"É um sacrifício, mas é a chance de melhorar de vida", diz o habilidoso meia Flamel. (PAULO COBOS)


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