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Filme pornô e pechincha levam Tuna pela BR-316
Sem tempo, time paraense faz treino físico na beira da rodovia periclitante, e jogadores são seguidos lentamente pelo ônibus
Síntese da maratona da Série C, equipe
"vive" na estrada e regateia para comer
DO ENVIADO A PIAUÍ, MARANHÃO E PARÁ
Seu péssimo estado foi uma
das estrelas da disputa entre
Lula e Geraldo Alckmin pela
presidência da República. Mas
quem paga o pato pelas crateras
naquilo que já foi chamado de
asfalto é a Tuna Luso.
A BR-316, a principal ligação
entre o Norte e o Nordeste do
país, é a maior dor de cabeça do
time que melhor representa a
maratona rodoviária em que se
transformou a Série C.
Até o final da terceira fase, a
Tuna terá acumulado pouco
menos de 15 mil quilômetros,
quase a distância entre São
Paulo e a Espanha ida e volta.
Seriam quase 2.000 quilômetros a menos e uma economia
de quase 50 horas -mais do
que um time da Série A vai gastar em aviões durante todo o
campeonato- se a rodovia pela
qual petistas e tucanos batem
boca estivesse transitável.
Para viajar ao Nordeste, onde
faz a maioria das suas partidas
como visitante, o clube de Belém usa um desvio pela Belém-Brasília e cruza quase todo o
Maranhão para driblar os buracos da BR-316, o que aumenta
cada perna em 360 km.
A Folha acompanhou uma
das viagens da Tuna Luso. Foram quase 20 horas e 1.241 quilômetros entre Teresina
(Piauí), onde o time perdeu para o River por 2 a 1 na última
quarta-feira, e Belém.
Uma moleza para quem foi
até São Luís em um microônibus ou gastou 106 horas entre
ida e volta para ir até Cuiabá.
Fichinha para um time em que
o técnico ganha R$ 500 e o
atraso de salários varia entre
três e sete meses.
Com exceção do ônibus, confortável, a viagem é no melhor
estilo mambembe.
O aviso de evitar rodar pelas
estradas nordestinas durante
as madrugadas é ignorado. A
viagem começou às 23h56, e o
ônibus fez a primeira parada
oito horas depois.
"Nosso time é o único que
tem peito para viajar à noite.
Também, se ladrão nos roubar,
não vai levar nada. Talvez até
queira ajudar", fala Moyses Pepe Larrat, presidente da Tuna,
que viaja com o time. "Até poderia ir de avião, mas não seria
justo", diz ele, que é chamado
de "tio" pelo elenco.
Dormir em alguns trechos,
como entre Açailândia e Itinga,
ainda no Maranhão, é um martírio. Os buracos na pista fazem
o ônibus balançar e invadir a
mão de caminhões pesados.
A alimentação só acontece
após muita negociação. O time
almoça depois de pechinchar
num restaurante empoeirado,
no qual o rodízio custa R$ 13.
E a comida não tem nada de
balanceada. "A gente só come
em beira de estrada. Ali só tem
churrascaria. Como é que a
gente vai ter uma alimentação
balanceada?", indaga Sidinei
Flores, o preparador físico do
time, que ainda precisa controlar o excesso de açaí (muito calórico) dos jogadores, todos do
Pará, a terra desse fruto.
Para se exercitar nas maratonas rodoviárias, Flores coloca o
time para correr na estrada,
que quase nunca tem acostamento, o que aumenta o risco
de acidentes. O ônibus segue os
jogadores por 3 km.
Treino tático nem pensar.
"Não dá para fazer nada agora.
É jogo, ônibus e, no máximo,
um treino recreativo. Mas a
gente encarou todo mundo até
agora. E vamos subir", diz o
técnico Carlos Alberto Lucena,
mostrando com orgulho a campanha (o time estaria hoje no
octagonal decisivo).
Quando não estão dormindo
ou correndo na estrada, os jogadores da Tuna Luso ouvem,
em alto volume, o brega e o forró que dominam as paradas de
Belém, cidade com musicalidade bastante própria. Um aparelho portátil de DVD também
faz sucesso, principalmente
quando há pornôs na tela. Um
filme com Nicole Kidman não
empolga -"É muito branquela", dizem os jogadores.
Com muito tempo, discutem
o jogo contra o River. Numa
versão turbinada do que fazia
Serginho quando jogava no São
Paulo -forçar o terceiro amarelo para ficar de fora das viagens ao interior paulista-, o
meia Márcio lamenta o cartão
que o impede de enfrentar o
Treze hoje, em Belém.
"Pena que tomei cartão hoje
[quarta-feira]. Seria melhor ficar fora do jogo de Campina
Grande", diz o jogador, referindo-se à partida do próximo domingo, quando serão quase
4.000 quilômetros de estrada.
A viagem acaba numa noite
abafada em Belém com os jogadores e a comissão técnica sendo despejados pela cidade. Era
a hora de ir para casa. Desta
vez, de ônibus urbano.
"É um sacrifício, mas é a
chance de melhorar de vida",
diz o habilidoso meia Flamel.
(PAULO COBOS)
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