São Paulo, domingo, 17 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FUTEBOL

A vida pela Copa

RODRIGO BUENO
COLUNISTA DA FOLHA

As eliminatórias matam. Pela terceira vez em série, o qualificatório para o Mundial faz oficialmente vítimas fatais. No início da última semana, surgiram notícias de que pelo menos três torcedores teriam morrido na luta para ver a partida entre Guiné e Marrocos. A Fifa tratou de negar tais informações e ressaltou que houve "só" vários feridos (por causa de superlotação).
No mesmo dia em que negou as mortes na Guiné, ela lamentou quatro mortos no estádio Kegue, domingo, no Togo x Mali. A bandeira de Togo na sede da Fifa está a meio pau, e a entidade promete investigar as "grandes violações das medidas de segurança" na partida. Nas eliminatórias africanas para a Copa de 2002, já havia sido registrado trágico episódio.
Em Harare, 12 pessoas morreram em duelo entre Zimbábue e África do Sul. No qualificatório para o Mundial de 1998, foi a Guatemala que chorou: mais de 80 pessoas morreram no estádio Mateo Flores em jogo contra a Costa Rica que deixou ainda 150 feridos.
Os problemas extra-campo batem triste recorde nas atuais eliminatórias. Botsuana x Quênia e Panamá x Jamaica tiveram invasões de campo. Bósnia-Herzegóvina x Sérvia e Montenegro, Malaui x Tunísia, Sudão x Camarões e Honduras x Canadá viram lançamentos de vários objetos no gramado. Macedônia x Holanda ouviu manifestações racistas. Taiwan x Palestina teve de ser postergado porque jogadores palestinos foram temporariamente impedidos de viajar pelo governo israelita. Jogos, como Libéria x Senegal, acabaram interrompidos por distúrbios com torcedores.
A Fifa nem atentou para a enorme confusão no confronto do Brasil com a Venezuela em Maracaibo. Dezenas de pessoas com ingressos na mão não conseguiram entrar e apedrejaram veículos e equipamentos de emissoras de TV. O responsável pela organização atende pelo nome, no mínimo estranho, de Luis Muchacho -esse culpou a Guarda Nacional pela superlotação. Ou seja, a Fifa, que oficialmente organiza Copa e eliminatórias, não controla mais o "monstro" que criou.
Já tem mais de um século que pessoas se matam em partidas de seleções de futebol (os culpados aqui não são torcidas organizadas). A Fifa nem tinha nascido quando 40 morreram em superlotação no Escócia x Inglaterra no Ibrox Park, em Glasgow, no dia 5 de abril de 1902. Desde então, pelo menos 2.000 pessoas foram vítimas fatais (mais de 300 morreram só no Peru x Argentina pelo Pré-Olímpico em 1964). Mas são as "vítimas da Copa" que aumentam quase na mesma proporção que a disputa se expande. Isso sem contar as "mortes naturais".
O Mateo Flores, estádio guatemalteco que tornou-se amaldiçoado em 1996 devido à avalanche humana que matou dezenas, viu recentemente novo Guatemala x Costa Rica. Não houve superlotação como na outra vez, pelo menos oficialmente, mas um torcedor teve parada cardíaca e faleceu minutos depois de o atacante Pin Plata fazer um gol nos 2 a 1 nos visitantes. Dar a vida pela Copa deveria ter limite.

A vida pela Copa 1
Alguns países que ainda não foram ao Mundial começam a vislumbrar de verdade a disputa na Alemanha em 2006. Se na América do Sul, a Venezuela segue forte na briga por uma vaga, a África destaca a Costa do Marfim, favorita para barrar Camarões. Na Europa, a Ucrânia, que sempre ensaiou um salto com Shevchenko, pode enfim ascender, pois vai firme na liderança do Grupo 2.

A vida pela Copa 2
A Fifa agora vai destinar uma pequena parte dos bilhões que ganha com a realização da Copa para uma fundação britânica dedicada ao fomento do teatro. Os torcedores do mundo todo, que sustentam o esporte e eventualmente morrem nos estádios, deverão mesmo pagar a conta. Os "inventores do futebol" vão se divertir ao menos.

E-mail rbueno@folhasp.com.br


Texto Anterior: Dubai anuncia nova equipe de F-1
Próximo Texto: Tênis: Brasil "forma" dupla que domina circuito
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.