São Paulo, sexta-feira, 17 de novembro de 2006

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XICO SÁ

Tudo penso, nada falo


Corintianos, por favor, continuem calados, pois essa greve tem feito um bem incrível aos nossos ouvidos


AMIGO TORCEDOR , amigo secador, vez por outra um time inteiro resolve adotar a lei do silêncio, a greve de entrevistas. Os calados da vez são os rapazes do Parque São Jorge, onde Leão, aos poucos, monta a sua ditadura corintiana, resposta tardia e autoritária à democracia dos tempos de Casão e doutor Sócrates. Mas, psiu!, falemos só do silêncio, que é o que importa.
Como é bom quando os jogadores de futebol se calam, não? Que alívio. Que a arte de calar contamine a todos, inclusive nós, cronistas cricris que batucam desafinados na caixinha de surpresas. Que a greve seja nacional, que se espalhe para América Latina, que chegue à Europa, pois se há uma linguagem universal, uma clicheria padronizada independentemente do idioma, é a enfadonha fala boleira, esse esperanto ludopédico de meia dúzia de palavras.
Sim, que o time esteja unido, que todos os times do mundo estejam unidos, que o final deste ano seja todo em silêncio, que as transmissões pela TV não tenham sonoridade, que cada um ponha a música que quiser e veja o silencioso espetáculo.
Que existam só narradores de rádio, porque eles sim são os nossos Shakespeares mais trágicos e barrocos. Silêncio até mesmo para os campeões do próximo domingo, com quem gastei minhas últimas forças e agouros, mas não teve jeito, chega uma hora que o secador definha mesmo, como um artista da fome, seca. O meu velho e casmurro Edgar, estimado corvo que grasna maldições durante os jogos, também disse "chega", vai mudar a pena e esperar o tricolor, de novo, na Libertadores.
Silêncio para todos, menos para Souza, um caso à parte, do tipo que está em falta nos microfones. Souza é uma graça, bom humor, tirador de onda, palmas! E o bravo alagoano, da terra do Aurélio, tem manha com os vocábulos, diz na lata. É campeão mesmo, chega de ser hipócrita, mesmo com a torcida temerosa.
O time está unido, e o professor pediu silêncio. Que calem também os técnicos, como são chatos. Leão e sua fala militarista, Muricy até que é na dele, tranqüilo, mas em Luxemburgo não escapa nada, até os perdigotos são pernósticos, assim como na cria da sua prancheta, o PC Gusmão, que merece a Segundona, uma queda, mas não agora, pois não quero os meus amigos tristes nas Laranjeiras, sei o quanto sofrem Edmundo Barreiros e Sergio Sant'Anna.
Silêncio a todos, menos aos craques do Ferroviário, o glorioso Ferrim de Fortaleza, que ressurgiu dos seus próprios dormentes já entregues aos cupins, que ressuscitou da ferrugem, que é a grande surpresa da Terceirona, que tem neste ano a sua mais emocionante disputa. O Ferrim, amigos, meteu sete no outrora todo-poderoso Bahia.
Silêncio a todos, menos aos boleiros da Lusa, que têm a missão de fugir da queda e, acredito, não fugirão à luta. Que falem alto, que cantem os mais sangrentos dos fados, que recitem Sá-Carneiro e Cesário Verde, que não esmoreçam jamais.
Todo barulho à torcida do Galo, o acontecimento esportivo do ano. Na B, qualquer barulho é pouco para o Sport na Ilha do Retiro, que subiu com o estrondo de um começo de show da Nação Zumbi, meninos eu vi. Que subam agora Náutico e o América, porque o Nordeste, que tanto abastece o futebol destas plagas, o time campeão do São Paulo que o diga, merece melhores dias.
Corintianos, por favor, continuem calados, essa greve tem feito um bem incrível aos nossos ouvidos.
Que volte o silêncio também ao Parque Antarctica, menos ao Edmundo, que sempre dá boas parábolas de exemplo. Eu também me calo e me rendo às evidências. Sequei o quanto pude, não deu, parabéns torcida do São Paulo! E para moça que amo, deixo o meu último desejo: "Perto de você me calo/ Tudo penso e nada falo/ Tenho medo de chorar..."

xico.folha@uol.com.br


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