São Paulo, sexta-feira, 17 de dezembro de 2004

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FUTEBOL

Vanderlei

MÁRIO MAGALHÃES
COLUNISTA DA FOLHA

O genial Alfred Hitchcock, longe dos estúdios, não passava de um bobalhão. O mais brilhante orador do Brasil republicano, Carlos Lacerda, era golpista incorrigível. David Nasser, mestre do texto, encarnava o jornalismo mais cafajeste. Wilson Simonal, talento da música, trabalhava na moita para a ditadura militar (conforme reconheceram à Justiça o próprio cantor e dois amigos seus, um tira do Dops da Guanabara e um oficial do Centro de Informações do Exército).
Moral da história: para vestir a camisa 10 no seu ofício o sujeito não precisa ser exatamente um cara legal. Não quero Vanderlei Luxemburgo como chapa, mas ele seria um técnico dos sonhos para meu clube de coração.
Não faltam motivos para aversão a Vanderlei. Até dos pobres "v" do início e "i" do fim do seu nome ele tentou escapar, tornando-se Wanderley. Usou data de nascimento adulterada, o que lhe facilitou a vida como jogador.
Filho de comunista, ganhou o Luxemburgo como homenagem à revolucionária Rosa. Graças à sua competência, ascendeu. E deslumbrou-se. Na beira de campo, ostenta terno e gravata em pleno calorão. Imita colegas de países onde, quando a temperatura atinge aquela em que aqui se joga, os clubes estão de férias.
Lembra os "darks" que infestavam o Brasil com roupas pretas a mimetizar, no verão, os modelitos do inverno londrino.
Combina vaidade e vulgaridade. Cometeu: se tivesse que escolher entre sobreviver ele ou o pai, morreria o pai, por ser mais velho e ter vivido mais; quem tem dois banheiros em casa e não sabe a qual recorrer acaba fazendo nas calças.
Fala o idioma dos jogadores e faz disso uma arma. Boleiro que foi, trata-os como semelhantes. Diante dos microfones, castiga o vernáculo com o vocabulário gongórico. No vestiário, se faz entender em linguagem clara.
Não era ruim de bola, mas deu azar de concorrer com Júnior pela lateral esquerda do Flamengo. Lá conviveu com craques como Zico, Adílio e companhia. Aprendeu e se aprimorou. Não é retranqueiro, mas se obstina na armação da defesa. Seus times atacam verticalmente, mordendo. São equilibrados.
É o recordista em títulos do Brasileiro. O Santos pode bater o recorde de gols. Perdeu Diego e Robinho, mas reconquistou a ponta. Teve de jogar longe da Vila devido à insanidade de torcedores. Gols legítimos foram surrupiados.
Vanderlei vê tão bem o jogo que, após suas instruções, quase sempre suas equipes começam o segundo tempo atropelando. Faltam-lhe títulos internacionais e sucesso no Flamengo e na seleção, experiências fracassadas que um dia enfrentará de novo. Não foi o melhor de 2004, porque ninguém fez o que Leão fez no São Paulo.
Mas montou um time que soube decidir quando o Atlético-PR não soube, embora o próximo domingo possa ser o avesso do que passou. Comanda um Santos que dá gosto de ver, com a cara de um técnico campeão que sabe de futebol como poucos.

Zetti e Segundona
O Avaí tinha mais time, mas entrou só para se defender e se deu mal no Castelão. Zetti, a revelação de técnico do ano ao lado de Péricles Chamusca, pôs o Fortaleza para atacar, venceu por 2 a 0 e fará companhia ao Brasiliense na primeira divisão do Brasileiro em 2005.

Gre-Nal e história
No último domingo de agosto de 1961, no mesmo dia em que entrou no ar a Rádio da Legalidade, o Gre-Nal foi cancelado. Até o futebol parou por causa da crise política. É o que conta o recém-lançado "Brizola - Da legalidade ao exílio" (RBS Publicações, 136 páginas), belo livro da jornalista Dione Kuhn sobre a turbulência dos dias (e anos) seguintes à renúncia do presidente Jânio Quadros.

E-mail
mario.magalhaes@uol.com.br


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